Artes de primata

O que nos ensinam os primatas sobre nós próprios? Em Chimpazee Politics, o primatologista holandês Frans de Waal estuda os comportamentos dos vários elementos que formavam uma colónia de chimpanzés em Arnhem, na Austrália.

 este livro, publicado há mais de 25 anos, é considerado um clássico e foi largamente divulgado não só em meios científicos como em empresariais, por demonstrar como se operam e desenvolvem os processos de liderança, através da manipulação sexual das fêmeas do grupo.

na colónia havia três chimpanzés que lutavam pela liderança. yeroen era o macho-alfa apoiado pelas fêmeas. pelo contrário, luit era o que ocupava a posição menos importante e yeroen empurrava-o para fora do bando, até que luit encontrou um aliado – nikki, um macho mais jovem que crescera o suficiente para poder enfrentar o líder.

luit e nikki uniram-se numa estratégia de açoitar as fêmeas repetidamente. yeroen não tinha capacidade para as defender e foi perdendo influência junto delas.

quatro meses depois, luit já tinha virado o jogo e era o novo líder. assim que consolidou o seu novo estatuto, luit passou a proteger as fêmeas e a apoiar os machos mais fracos, mesmo se lutassem contra nikki. política que fazia sentido, assim estabelecia alianças com aqueles que não podiam pôr em causa a sua autoridade.

no entanto, tal escolha irritou nikki, que se uniu a yeroen para derrubar luit. nikki passou a chefe, mas parecia ser comandado por yeroen, que estabelecia múltiplas alianças com os outros machos e fêmeas do grupo, para que nikki não conseguisse exercer a sua autoridade. este precisava de yeroen para controlar luit e por isso não o enfrentava.

yeroen era o macho mais inteligente, conseguia estabelecer simultaneamente alianças com vários elementos, conspirando não apenas contra um primata, mas contra vários. os primatas com maior sucesso são aqueles que conseguem conspirar ao lado dos mesmos primatas contra quem conspiram.

outro estratagema, estudado por outros cientistas (whiten e byrne), é o da capacidade de dissimulação dos primatas: um macho-beta não exibe o pénis erecto perante o macho-alfa; posiciona-se de lado e usa o volume do seu braço para tapar a visão do chefe, enquanto seduz furtivamente uma fêmea. ele sabe que quantas mais fêmeas seduzir, maior será a sua influência entre elas, mas também sabe fazê-lo da forma mais discreta possível.

estes estudos revelam comportamentos assustadoramente semelhantes com os que reconhecemos nos humanos, ou não fôssemos nós descendentes dos primatas.

a arte de conspirar, bem como a de dissimular, está impressa nos nossos genes. a combinação apurada e treinada das duas pode transformar o ser humano num monstro.

é triste pensar que nos tornámos mais inteligentes para que pudéssemos compreender melhor a mente dos nossos pares e, desse modo, enganá-los, usando-os para alcançar os nossos objectivos. mas é a realidade. até porque é o mesmo que tentam fazer connosco. a questão da moral vem depois. e fica para uma próxima crónica.