Austeridade prolongada será compatível com a democracia?

A Europa está a passar por momentos críticos. A pergunta decisiva que hoje há a fazer é esta: a democracia e a austeridade prolongada serão conciliáveis?

a democracia assenta no voto.

assenta na satisfação dos desejos dos eleitores.

ora estarão os eleitores dispostos a votar em partidos que propõem mais cortes e mais sacrifícios?

haverá cada vez menos cidadãos a fazê-lo.

a questão é esta.

ademocracia funciona bem nos períodos de crescimento.

por isso, vigorou muitos anos na europa sem sobressaltos.

nos períodos de crescimento económico há dinheiro para distribuir – e tanto faz votar na esquerda como na direita, pois a diferença não é grande.

em portugal, votar ps ou psd foi, durante anos, quase o mesmo.

não fazia grande diferença.

mas em clima de recessão tudo muda.

em recessão, há os políticos responsáveis, que propõem uma passagem pelo inferno – cortes orçamentais a doer, com o seu cortejo de falências e desemprego –, e os demagogos – que juram haver caminhos alternativos e sustentam que os partidos no poder só não os seguem por estupidez ou malvadez.

é mais ou menos este o discurso de jerónimo de sousa, francisco louçã ou mário soares.

criticam a austeridade e prometem paraísos perdidos.

e quem não gosta de ouvir essas palavras, que soam como música celestial?

é isto que explica os votos em partidos radicais, de esquerda ou de direita, um pouco por toda a europa.

os eleitores acham que os partidos e os políticos do centro já não lhes podem dar mais nada, além das velhas receitas conhecidas – e começam a ser tentados a votar em políticas alternativas, apostando no desconhecido.

não é bem o voto do desespero, como se tem dito: é o voto de uma sociedade em decadência que não quer acreditar no seu próprio declínio.

como um fidalgo arruinado que se recusa a aceitar o seu destino.

repare-se que o fenómeno não é novo – apenas se vem a acentuar.

começou com jean-marie le pen em frança, nos anos 80, e espalhou-se à áustria, com jörg haider, à itália, com gianfranco fini, à holanda, finlândia, hungria, dinamarca, noruega, suíça, suécia… – e agora ao impasse na grécia.

claro que , quando chegam ao poder, os partidos e os políticos que defendem estas teses irrealistas deparam-se com missões impossíveis.

logo à partida, porque a líder do país mais forte da união europeia, a odiada ‘sr.ª merkel’, não está disposta a financiar indefinidamente países deficitários, que não conseguem governar-se sozinhos.

e, perante isso, os vendedores de ilusões só têm dois caminhos: ou submetem-se e deixam cair as promessas que fizeram, ou rompem e saem da ue – que é o caminho que estão prestes a seguir os gregos.

mas, nesta segunda hipótese, o futuro da grécia apresenta-se terrível.

a situação financeira, em vez de melhorar – como os ingénuos ainda acreditam –, piorará de forma galopante.

e no fim, perante o caos instalado, perante a ingovernabilidade assumida, só restará a força das armas – ou seja, as forças armadas – como solução governativa.

note-se que isto, que está iminente na grécia, poderá suceder noutros países, como portugal.

imagine-se que portugal rompia com a troika.

onde estaria o dinheiro para pagar os salários aos funcionários públicos?

e onde teria o governo dinheiro para fazer investimentos públicos, como propõe a esquerda?

e quem quereria investir em portugal?

caso portugal quebrasse os compromissos assumidos e ficasse sem ajuda externa, a austeridade – aí sim – teria de ser brutal.

mas pode ser que a grécia seja um bom teste para se ver qual o caminho a não seguir.

a austeridade controlada e em democracia será sempre melhor do que uma austeridade selvagem imposta pelos canos das espingardas.