Dito&Feito

Bastou o anúncio do resgate financeiro espanhol para se ouvirem de novo, em Portugal, as vozes do costume, apelando ao afrouxamento das medidas de austeridade e ao incumprimento do memorando da troika.

mário soares apressou-se a dizer que de espanha vem «um bom exemplo para portugal repensar a sua política», fez questão de citar «membros ilustres do psd, como manuela ferreira leite, rui rio, pacheco pereira, entre outros, que se têm pronunciado contra as políticas de austeridade» e de ameaçar o governo de passos coelho:«ou muda as políticas de austeridade ou sujeita-se a um isolamento político, que lhe será fatal». antónio josé seguro, na mesma linha, também veio lembrar as «vozes no interior do psd, como manuela ferreira leite e rui rio» (esqueceu-se de pacheco pereira?) e salientar, a propósito de alegadas facilidades concedidas a espanha, que «não podem existir países de primeira e outros de segunda». são os arautos do regresso à prevalência do facilitismo em contraponto à continuidade de uma política de rigor e exigência.

porque o risco que o país corre não é de excesso da terapia de austeridade e de sacrifícios que os portugueses estão obrigados a fazer. o risco é portugal chegar ao fim deste ciclo de austeridade, de três ou quatro anos, e não ter corrigido os seus defeitos estruturais.

o primeiro dos quais é um estado insustentavelmente despesista, consumidor de mais de metade dos recursos do país, enxameado de clientelas partidárias e de serviços inúteis ou excedentários – que qualquer poder político, seja do psd seja do ps, terá sempre a propensão de proteger, limitando-se a reformas cosméticas que não alterem, no essencial, os interesses instalados.

é imperioso reduzir de vez o peso do estado, mas também é indispensável travar os apelos ao crédito fácil que fez agravar os incomportáveis níveis de endividamento de muitas famílias e empresas, agora a viverem situações dramáticas e falências em série. tal como é obrigatório limitar o proteccionismo que tem sido concedido à banca – sempre beneficiária de impostos favoráveis e de uma supervisão complacente e permissiva – ou a empresas do regime, como a edp, a pt ou a galp, que há muito gozam de um estatuto privilegiado e de várias benesses por parte do estado.

o problema não é a austeridade ou o seu grau de aplicação. o problema é chegar ao fim desta crise e deixar que quase tudo fique na mesma.

jal@sol.pt