Ciúmes:carta-branca para matar

Olhando para trás, facilmente se percebe que Portugal melhorou muito nas últimas duas décadas, em áreas como a saúde ou a segurança rodoviária.

as famosas listas de espera para cirurgias reduziram-se significativamente e nas estradas passou-se de quase 2.000 mortos anuais para 700. a esperança de vida não pára de aumentar e, apesar da crise, muitos outros sectores apresentam melhores índices do que há 20 anos.

também muito mal iria o país se nada tivesse melhorado. muito do que melhorou aconteceu porque sistematicamente se foi chamando a atenção. as pessoas foram-se sensibilizando – as estradas são um belo exemplo – e passaram a ter outros comportamentos. mesmo na área dos costumes, apesar dos exageros, houve melhorias. hoje se alguém vê um pai a espancar brutalmente um filho chama as autoridades ou procura defender a criança. antigamente era normal o progenitor poder agredir selvaticamente o descendente. «não se meta onde não é chamado. o filho é meu», ouvia-se com alguma frequência em meios rurais e não só. actualmente até se assiste a um fenómeno contrário. um simples puxão de orelhas é logo considerado uma agressão. esperemos que nunca se chegue aos exageros dos americanos…

vem esta conversa a propósito de um campo onde as coisas, a julgar pelos relatos diários do correio da manhã, não melhoraram, bem pelo contrário. falo da quantidade de crimes cometidos, com bastante frequência, por maridos ou namorados, em fase de o deixarem de ser, que matam as companheiras. o caso é muito mais grave porque, numa boa parte dos casos, as vítimas apresentaram dezenas de queixas às autoridades e pouco ou nada foi feito. até ao momento da tragédia. sem querer ser injusto, parece-me que as autoridades policiais e judiciais não estão devidamente sensibilizadas para o fenómeno da violência doméstica. um homem louco de ciúmes que ameaça várias vezes a ex-mulher não pode deixar de ser levado a sério.

não sei se as autoridades seguem a velha máxima de que cão que ladra não morde. a verdade é que os casos relatados na imprensa começam a ser assustadores. não há praticamente uma semana que passe que não se tenha conhecimento de alguém que tentou matar a ex-mulher/namorada e os filhos só porque foi abandonado.

quando nas estradas se morria tanto, fizeram-se campanhas brutais para chamar a atenção para o flagelo. a violência contra as mulheres (ou homens, de acordo com o casamento em questão) merece que os responsáveis na matéria adoptem medidas mais severas. é certo que não se pode encher mais as cadeias, mas as pessoas indefesas não têm culpa que os ciúmes sejam uma espécie de carta-branca para se matar ou ferir com gravidade.

vitor.rainho@sol.pt