México muda de canal

Enrique Peña Nieto deve reconquistar hoje o poder para o PRI com a ajuda paga da principal TV mexicana.

depois de 12 anos de interregno naquilo a que o nobel da literatura mario vargas llosa um dia chamou de «ditadura perfeita», o partido revolucionário institucional (pri) deverá este domingo regressar ao poder no méxico.

o maior país da américa latina vota para a presidência da república e para as duas câmaras do parlamento. as sondagens apresentam números díspares mas convergem ao declarar enrique peña nieto e o seu pri como favoritos à vitória. o ex-governador do estado do méxico (a unidade administrativa, não a república federal) lidera com 30 a 50% das intenções de voto. andrés manuel lópez obrador, candidato esquerdista que em 2006 ficou à beira da vitória, surge 5 a 15 pontos atrás. josefina vazquez mota, a candidata e líder do partido de acção nacional (pan, no poder), está num distante terceiro lugar.

mas o favoritismo de peña nieto é ensombrado por revelações sobre uma longa, cara e potencialmente ilegal operação mediática envolvendo a principal televisão mexicana, a televisa. no seio do maior canal televisivo hispânico do mundo terá operado uma unidade secreta encarregada de promover peña nieto quando este liderava o maior estado do país, não só em telejornais mas também em programas de entretenimento e nas redes sociais.

o jornal britânico the guardian obteve nos últimos dias, através de um antigo funcionário da televisa, inúmeros documentos e orçamentos de campanha que indicam pagamentos de milhões de euros a troco de entrevistas e artigos sobre peña nieto. a operação incluía ainda a produção de notícias e de vídeos anónimos sobre os erros de governação do pan.

a televisa, que também já foi acusada de ter ajudado o pan contra o esquerdista lópez obrador, nega tudo. o the guardian defende a história, apesar de admitir não poder comprovar a veracidade dos documentos.

em protesto contra o alinhamento da comunicação social mexicana com peña nieto, surgiu em maio o movimento estudantil yo soy 123. muito activos nas ruas e nas redes sociais, os jovens têm afastado uma parcela do eleitorado urbano do candidato centrista, favorecendo lópez obrador.

cansados de violência

mas tal não será suficiente para travar peña nieto. nem as acusações de que o pri gastou na sua campanha o dobro do limite legal através de um esquema de 450.000 cartões de crédito.

a impulsionar o candidato está o descontentamento generalizado com a governação do pan.

o partido do presidente felipe calderón e do antecessor vicente fox (que hoje apoia peña nieto) tinha posto termo a 75 anos de poder do pri, desgastado pela corrupção e o autoritarismo. o pan promoveu a sociedade civil e abriu o méxico ao comércio livre com a américa do norte, tornando o país num dos candidatos ao clube das novas potências.

no entanto, e para além dos efeitos da crise mundial, a desastrosa guerra contra a droga é a principal mancha no currículo do pan. mais de 50.000 mortos depois, não há qualquer indício de que os traficantes estejam hoje mais frágeis. a expectativa é a de que o pri restaure um equilíbrio tácito (os críticos diriam corrupto) entre o estado e os cartéis, preservando a segurança e retirando das ruas o exército, acusado de violações dos direitos humanos.

outra expectativa é a de que o pri regresse reformado, distanciado de práticas corruptas e absolutistas do passado. tal dependerá do novo parlamento, que deverá negar a maioria a peña nieto. mas as denúncias dos últimos dias são um mau prenúncio.

pedro.guerreiro@sol.pt