Condenado ao silêncio

A Cinemateca Portuguesa decidiu, finalmente, dedicar uma homenagem a António de Macedo, um dos poucos autores do cinema português e seguramente um dos mais originais.

nunca fui um admirador incondicional dos seus filmes, o que me deixa à vontade para dizer o que vou dizer. macedo estreou-se nas longas-metragens, em 1965, com domingo à tarde, um dos três filmes das produções cunha telles que, no início dos anos 60, em pleno salazarismo, tentou criar uma produção regular apostando nos primeiros filmes da nova geração (além do filme de macedo, produzira verdes anos, de paulo rocha e belarmino, de fernando lopes). a experiência falhou, como não podia deixar de ser: não havia apoios estatais e, além da censura, o mercado português era muito pobre.

macedo ainda conseguiu fazer dois filmes, com escassos recursos e muita imaginação, fernando lopes e paulo rocha mais um cada, até ao começo dos anos 70 em que, graças à extraordinária visão de azeredo perdigão, a gulbenkian decidiu financiar os filmes dos novos cineastas. e, em vésperas da revolução de abril, marcelo caetano decidiu, finalmente, apostar no cinema, criando um sistema de subsídios controlados pelo estado, que vigorou até hoje.

a partir de 75, macedo conseguiu filmar com alguma regularidade: sete longas-metragens em 18 anos. mas, a partir de 1993, depois de ter realizado chá forte com limão, a sua carreira acabou! porquê? pela simples razão que o lobby que se tinha instalado nos júris do instituto de cinema, com o apoio dos críticos do público e do expresso, que muitas vezes dominavam os próprios júris, decidiu que macedo não era um ‘autor’ digno de ser apoiado. a partir daí, a vida de macedo foi um pesadelo: durante anos, incansavelmente, submeteu-se ao veredicto de cinco portugueses que, em nome de 10 milhões, decidem o destino dos cineastas. foi sistematicamente chumbado, sob o pretexto de que fazia um ‘cinema fantástico, desligado das realidades’. e por isso, diz :«comecei a ser censurado, num regime onde, constitucionalmente, não há censura».

há 19 anos que macedo foi condenado ao silêncio, em nome de um critério que não está escrito em lado nenhum. o que é grave é que o actual secretário de estado da cultura, ao contrário do que prometia o programa do governo, decidiu fazer uma lei que reforça a arbitrariedade dos júris e a ditadura de meia dúzia de críticos que dão estrelinhas nos jornais que são verdadeiras sentenças de vida ou de morte para os cineastas deste país!

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