a execução orçamental derrapou apesar do aumento de impostos. chegámos ou não ao limite da austeridade?
a austeridade é um meio, não é um fim em si mesmo e tem de ser baseada no princípio da proporcionalidade face aos fins que se querem atingir. a derrapagem está a acontecer por duas vias: pela diminuição da receita fiscal – apesar do aumento de alguns impostos, o que é um ensinamento – e pelo aumento das despesas sociais, em especial do subsídio de desemprego.
a questão fundamental é a dos impostos. chegou-se definitivamente ao ponto em que o aumento de taxas não leva ao aumento de receitas. e o crescimento só será sustentável quando for baseado numa menor pressão fiscal. atingimos já o limite da pressão fiscal, quer ao nível de impostos individuais, quer ao nível de impostos sobre as empresas.
apesar de tudo, continua a haver uma margem muito significativa do aumento da base tributável através do combate à evasão fiscal. os impostos não pagos ultrapassam 15 mil milhões de euros, o que representa 8 ou 9% do pib. o aumento da receita fiscal deve ser apenas pelo crescimento da economia ou do aumento da base tributável.
esta derrapagem era previsível?
eu achava previsível. a surpresa do governo face ao aumento do desemprego e face à derrapagem orçamental é para mim surpreendente. quando falamos de receita fiscal, temos que falar das receitas da segurança social que incidem sobre os salários. ora, se os salários não aumentam e há mais desempregados…
houve irrealismo por parte do governo?
não, este governo tem sido realista, ao contrário do anterior. talvez tenha havido um pouco de optimismo – a evolução da receita fiscal até ao final do ano dificilmente seria atingida. a derrapagem orçamental vai equivaler a 1% a 1,2% do pib.
como é que se podem controlar, então, as contas públicas?
para este ano, há quatro caminhos. um são as receitas extraordinárias, mas o eurostat já disse que não aceitará mais receitas extraordinárias. outro seria fazer um maior esforço do lado da despesa, mas seria preciso uma rigidez tal que dificilmente se conseguiria compensar os dois mil milhões da derrapagem. o terceiro passaria por uma sobretaxa qualquer, mas isso iria contribuir para a recessão de uma maneira mais acentuada. e seria um erro: seria, não matar o doente, mas enfraquecê-lo ainda mais. era pior a emenda que o soneto porque iria retirar receitas de irs e de tsu e ainda diminuir o consumo – um erro crasso. o quarto é pedir o que a espanha já fez, e conseguiu, e aquilo que a grécia com certeza vai conseguir: um doseamento do esforço por mais tempo, mais um ano.
devemos aproveitar a situação da grécia e pedir outras condições?
não devemos protagonizar isso. mas devemos apanhar a boleia. alguma reconquista de credibilidade por parte de portugal resulta do facto de estarmos a cumprir o acordo. mas, de facto, havendo países em que essa situação se coloca, faz sentido que tenhamos o mesmo tipo de tratamento. é uma espécie de free rider, de apanhar a boleia da situação. e há um argumento importante, quer técnico, quer político: no momento em que foram fixadas as metas do défice, há um ano, não se pensava que algumas variáveis macro-económicas tivessem a evolução que estão a ter – como é o caso da espanha, que é um dos nossos principais destinos das nossas exportações.
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acha que este conselho europeu já trará alguma resposta à situação portuguesa?
não e acho até que nem devia haver. o eventual deslizamento de um ano deve acontecer com a maior naturalidade possível. deve acontecer como consequência e não a pedido. é assim que eu vejo a questão do ponto de vista da estratégia do governo português. quanto às cimeiras, têm sido soluços perante a situação. há muitos equívocos – como, por exemplo, querer-se construir uma moeda única sem que haja união orçamental, económica, política e bancária. assim, a moeda única dificilmente subsiste. este voluntarismo excessivo gera um equívoco, um euro coxo. e eu não sou federalista, atenção! mas acho que, uma vez aqui chegados, se se quer robustecer a moeda única, tem que se caminhar para uma via dessas.
acha que temos de nos preparar para o regresso ao escudo?
já não se regressa à moeda antiga. seria um desastre. admito que haja várias soluções e planos de contingência. um deles seria haver dois euros, um mais forte e outro mais fraco que pudesse ter uma desvalorização em relação ao outro.
o cds já disse que não aceita mais impostos. teme que haja uma divisão no governo?
esse era um dos pilares do programa eleitoral do cds. mas creio que o psd e o primeiro-ministro terão a mesma opinião. essas questões não podem ser só vistas no plano macro-económico, mas também no plano micro-económico. uma coisa que não gostei nada de ver foi, por exemplo, esta taxa de segurança alimentar que é um novo imposto. e vem em qualquer manual que uma taxa destas vai repercutir-se nos preços pagos pelo consumidor. um dos grandes desafios do governo para os próximos anos é um maior entrosamento entre a a área da economia financeira e a área da economia real. e conseguir um crescimento não pela via do estímulo orçamental, mas pela via da reforma fiscal. é absolutamente fundamental fazê-la em 2014, que é a altura certa.
fala-se muito de reformas estruturais. neste ano, houve alguma reforma verdadeiramente estrutural?
houve a reforma laboral, que me parece importante, embora insuficiente. o mais importante é a flexibilização da contratação e não dos despedimentos. mas também há coisas simbólicas que me preocupam. veja, por exemplo, a questão da maternidade alfredo da costa (mac). provavelmente, poupa-se uns tostões, mas isso é marginal. o que não é marginal é o que representa no país: a realidade da família e da nação. custa-me ver deputados da maioria a defender o fecho do mac depois de há uns anos terem criticado o ministro correia de campos por ter fechado algumas maternidades aqui e acolá.
acha que isso se deve a uma hegemonia de vítor gaspar?
algum ascendente um ministro das finanças tem que ter, isso acho bem. o handicap é que, por vezes, tem que se falar com a pessoa da rua ou a pessoa da empresa. este governo talvez pudesse ter, por vezes, uma tónica mais personalista e não um ideário demasiado árido e tecnocrático.