O triunfo da lenda Peter Gabriel no Meco

Cerca de 15 minutos antes do concerto começar, dois fãs de Peter Gabriel debatem se o último concerto do músico à frente dos Genesis em Portugal foi em 1974 ou no ano a seguir. Chegam à conclusão que foi em Maio de 1975, em pleno PREC, e recordam as dificuldades que a organização enfrentou para…

peter gabriel foi o último grande nome conhecido do cartaz e muito se comentou sobre se o espectáculo orquestral e intimista que trazia era adequado para um festival de verão. mas a verdade é que – embora o imaginário de uma sala clássica aparecesse sempre que, nos intervalos das canções, se ouvia a batida da tenda electrónica – peter gabriel e a sua new blood orchestra conseguiram pôr uma plateia completamente reverente à sua música, durante as quase duas horas de concerto, e saíram triunfais do meco.

a veneração também se deveu à grande presença de uma plateia visivelmente mais velha, que acorreu à herdade do cabeço da flauta propositadamente para ver o seu ídolo de há 40 anos (prova disso mesmo foi a debandada geral que se verificou mal peter gabriel saiu de palco). segundo os dados da organização, no sábado estiveram 26 mil pessoas (foi o dia mais concorrido) e a enchente deveu-se nitidamente ao músico inglês.

em palco, peter gabriel assumiu o ritmo mais desacelerado dos temas, saindo várias vezes de palco para deixar “os excelentes músicos desta orquestra”, como referiu várias vezes, brilhar. e a excelente qualidade de som permitiu, de facto, ouvir com distinção os diferentes instrumentos que compõem uma orquestra e vibrar com as várias tonalidades que o maestro ben foster imprimiu à new blood orchestra.

além disso, peter gabriel mostrou-se bastante comunicativo com o público, chegando mesmo a ensaiar vários discursos em português (às vezes um pouco imperceptíveis). com a ajuda de uma cábula, explicou que ‘san jacinto’ é sobre a iniciação de um índio apache, que ‘biko’ continua actual porque, tal como o activista sul-africano steve biko, assassinado na altura do apartheid, hoje os jovens continuam a lutar contra governos e ainda têm a ajuda das redes sociais, como reforçou em ‘signal to noise’.

fazendo alusão ao seu projecto anterior – scratch my back (onde gravou versões de outros artistas, convidando-os a fazer o mesmo com as suas canções) – aproveitou a presença de regina spektor no meco para a convidar a interpretar consigo ‘après moi’. este foi também um dos momentos mais divertidos do espectáculo, com peter gabriel a interromper a orquestra ao fim de poucos segundos. “em bom inglês, isto é o que nós chamamos do nosso primeiro fuck up”, disse para a plateia, que reagiu ao erro com um forte aplauso de encorajamento. no “segundo take”, regina spektor entrou e cantou em russo. além da cantora americana de origem russa, dividiu ainda o microfone com a filha melanie, uma das meninas do coro, no tema ‘downside up’.

o concerto já ia longo quando chegaram algumas das canções mais esperadas pelo público. ‘red rain’ permitiu aos ouvintes soltar a voz, ‘solsbury hill’ contagiou toda a gente (incluindo peter gabriel que, pela primeira e única vez, percorreu o palco a dançar), e ‘in your eyes’ e ‘don’t give up’ fecharam um concerto memorável, de uma das maiores lendas da música mundial.

apesar dos seus 62 anos e da voz, às vezes, já não ser tão cristalina, peter gabriel mostrou porque merece toda a devoção que o público português tem por ele. e nem o tão falado pó (que, na realidade, melhorou bastante e não se revelou assim tão incomodativo) ou os problemas de organização no estacionamento e no recinto tão criticados no passado contaminaram a noite especial que se viveu no sbsr.

alexandra.ho@sol.pt

(actualizada às 12h08)