dizia-se mesmo que muitos hipotéticos excelentes médicos ficaram pelo caminho devido às incongruências dos cursos. as vagas também eram restritas e durante aproximadamente duas décadas, ao que parece, formaram-se menos médicos do que os necessários – pelo menos em algumas especialidades. um pouco à semelhança do que se passará hoje com os candidatos a advogados…
o que se sabe é que, nos últimos anos, sucessivos governos recorreram a médicos estrangeiros para ‘taparem’ o buraco criado ao longo dos tempos. porém, hoje a situação é bem diferente e os médicos que se formam nas universidades não conseguem colocação e são obrigados a inscrever-se em agências de trabalho temporário, ao que se diz, de médicos formados há muito tempo…
enquanto isso, chegam médicos de outras latitudes do globo que se sujeitam a ordenados pouco consentâneos com as exigências da profissão.
há dias uma médica contava-me o seguinte: «sabe quanto é que oferecem a um jovem médico que não tenha especialidade? 18 euros à hora. sabe quanto é que me oferecem a mim, que tenho duas especialidades e mais de 20 anos de carreira? 25 euros à hora. pagam-me menos do que tenho de pagar a um canalizador. acha justo?».
a vida dá mesmo muitas voltas. esta mesma médica, minha amiga, dizia-me há uns anos que se sentia chocada com alguns dos jovens estagiários que alegavam que tinham seguido a profissão por causa do dinheiro…
se a situação dos médicos não é fácil, imagine-se a dos enfermeiros a quem oferecem menos de cinco euros à hora. não me parece um bom sinal nem uma atitude racional desvalorizar tanto duas profissões tão nucleares numa sociedade. é possível que tenham existido muitos abusos e confusões entre trabalho para o estado e para o privado. mas então ataquem os abusos e não tratem todos pela mesma moeda.
nos últimos anos tenho lidado com vários médicos e enfermeiros que lutam diariamente contra as adversidades dos hospitais públicos. profissionais que desempenham as suas funções num cenário adverso, onde doentes em estado quase terminal se vão amontoando nos corredores.
não me parece que quem enfrenta a morte diariamente possa ser tratado com tanto desprezo.
vitor.rainho@sol.pt