Os telefilmes esquecidos

Há dias, a RTP1 exibiu um telefilme escrito por Artur Ribeiro e realizado por Jorge Queiroga: A Viagem do Sr. Ulisses.

os telefilmes são um género considerado menor, algures entre uma novela e um filme, o que explica que a crítica especializada não tenha feito qualquer referência, boa ou má, a estes ‘produtos audiovisuais’.

a partir de 1998, a sic inaugurou a produção regular de telefilmes, que rapidamente se tornaram um enorme sucesso de audiências. a sic era, na altura, a estação de referência dos portugueses, até ao dia em que tvi descobriu o filão do big brother, que, apelando ao voyeurismo e com custos muito baixos, rebentou com as audiências e arrastou o fim dos telefilmes. amo-te, teresa e os que se seguiram tinham um orçamento médio de 100 mil contos, que permitia que fossem filmados em cerca de quatro semanas (metade do habitual no cinema, mas dez vezes mais do que uma novela). além do sucesso de público, os telefilmes abriram portas à descoberta de novos argumentistas e de novos realizadores e proporcionaram trabalho com uma certa exigência a actores que, de outro modo, ficariam confinados às telenovelas.

os telefilmes da rtp têm orçamentos muito mais reduzidos, o que obriga a filmagens com prazos mais apertados (cerca de uma semana), o que inevitavelmente afecta o tempo dedicado à iluminação, découpage, ensaios, etc. mas são, mesmo assim, e a muitos títulos, trabalhos que deviam ter merecido a atenção e o encorajamento da crítica. os telefilmes, quer os da sic quer estes, têm o mérito de falar de problemas que os portugueses partilham, ao contrário das telenovelas que são uma espécie de pastilha elástica, onde se fala de um país e de uma sociedade que não existem. a viagem do sr. ulisses, por exemplo, retratava o problema dos velhos abandonados pelos filhos, durante as férias.

numa altura em que a rtp está ameaçada e a lei de cinema promete perpetuar o sistema que conduziu ao afastamento do público das salas, devíamos reflectir sobre o papel da ficção em qualquer sociedade e o papel que cumpre ao estado para garantir que os filmes e a ficção televisiva sejam um veículo para pôr os portugueses a reflectir sobre si mesmos. argumentistas e realizadores talentosos como ribeiro e queiroga vão ser obrigados a continuar a ganhar a vida na tv (enquanto existir rtp), por serem sistematicamente chumbados nos concursos do ica! pela persistência, coragem e competência que revelam, um e outro merecem o meu aplauso, a minha solidariedade e a minha revolta.

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