menos de um ano depois, e com actuações em palcos como o são luiz ou o rock in rio, a orquestra todos, que integra imigrantes e portugueses entre músicos profissionais e amadores, apresenta-se hoje, pelas 22 horas, no anfiteatro ao ar livre da fundação calouste gulbenkian – e lança o seu primeiro disco, intendente, que estará à venda hoje no local e a partir de 23 de julho em grandes superfícies, numa edição de 2.000 exemplares.
a hipótese de um disco não estava nas conjecturas de giacomo scalisi, um dos produtores e programadores do festival todos, e impulsionador da banda – foi ele quem convidou os italianos mario tronco e pino pecorelli para formar em portugal a orquestra todos. «mas a orquestra ‘existe’ se tiver um disco editado», explicou scalisi ao sol.
a oportunidade começou a desenhar-se em dezembro e as gravações prolongaram-se até março. os discos chegaram esta semana a lisboa, depois de terem saído de uma fábrica na república checa – «custa 50% menos do que em portugal» – , e de atravessarem a europa, por estrada, até portugal. à hora de fecho desta edição, segundo giacomo scalisi, a obra física, que materializa o grupo, já tinha dado entrada no país – numa odisseia que remete para a própria constituição da orquestra todos.
‘irmã’ da piazza vittorio
em 2001, logo após o atentado do 11 de setembro, o maestro italiano mario tronco criou l’orchestra di piazza vittorio (opv), formada com o nome da praça romana, povoada de «casas baratas, prostituição, droga, imigração», como relatou ao sol numa reportagem publicada em 2011, por ocasião do festival todos.
com artistas que não podiam viver da música para se sustentar, imigrantes (sobretudo norte de áfrica, caraíbas, ásia, europa, américas) que trouxeram as suas sonoridades e influências para o conjunto, a opv ultrapassou a barreira do gesto político e tornou-se um fenómeno de culto, já com três discos editados.
em 2009, a opv passou pelo intendente e surgiu aí a ideia de se criar outra orquestra multicultural – não uma réplica, porque «em portugal a imigração vem mais das ex-colónias. há uma viagem que a cultura portuguesa fez em direcção às colónias e, no regresso, voltou modificada», dizia mario tronco.
em portugal, a orquestra todos sabe a cabo verde e a índia, cheira a brasil e a moçambique, batuca ao estilo da guiné-bissau, tem acordes espanhóis, italianos, alemães, britânicos e argentinos, tem timbre romeno e canta também em português.
«no intendente tivemos um bom começo porque estivemos com o povo, não com uma elite», recorda o cabo-verdiano danilo lopes da silva, analista informático para pagar as contas, guitarrista e cantor por vocação.
se «a alma é que comanda», como atira danilo, é para confirmar esta noite na gulbenkian, com dois novos temas no alinhamento – um pela voz cristalina de rubi machado, nascida em moçambique, de origem indiana, que mantém o trabalho na loja de bijuterias do martim moniz e canta em festas para a sua comunidade. «no concerto do intendente, achei que ia haver disco. só não pensei que fosse tão cedo», partilhou com o sol a cantora do country indiano ‘ank hon mein tum ho’ (‘só penso em ti’) .
«nunca vimos a orquestra como um projecto que pudesse vender», admitiu giacomo scalisi, mas os concertos sucederam-se. intendente, são luiz, garagem da gulbenkian (a piscar o olho a emir kusturica), aula magna, rock in rio.
a 28 de julho, os músicos sobem ao palco do festival músicas do mundo, em sines, e a 25 de agosto viajam até festival roccella jazz, em itália. regressam a casa, ao intendente, a 14 de setembro, na 4.ª edição do festival todos, e alguns membros da opv vão juntar-se a eles.