Festival Músicas do Mundo: parcerias intercontinentais volume I

Sábado foi o dia mais forte da primeira fornada de concertos do Festival Músicas do Mundo, em Sines. O concerto de Dead Combo com Marc Ribot e Alexandre Frazão entrou para a lista dos memoráveis.

quem lá esteve assegurou-nos imperdível a inauguração da 14.ª edição do festival músicas do mundo, em sines, na quinta-feira. sinal de uma programação sólida, os preferidos do dia de estreia não eram consensuais. ora nos apontavam a surpresa narasirato, grupo oriundo de uma vila das ilhas de salomão, no pacífico, apenas acessível por canoas ou dois dias de viagem a pé, que arrancaram aplausos às suas preocupações ecológicas via flautas de bambu.

ora houve quem se tivesse perdido na fusão hipnótica de blues, rock e tradição tuaregue herdada pelo cantor e guitarrista bombino, nascido no níger e exilado na argélia. pelo meio não se pouparam elogios aos músicos do americano otis taylor, cujo blues terá andado sem medo pelo psicodelismo.

a verdade é que sexta-feira, depois de passarmos ilesos por uma intimidante operação stop à entrada do município (que incluía autoridades armadas e cães farejantes), esperava-nos entre as muralhas do castelo uma noite morna. deu-lhe início a apresentação do disco ‘animal’ do projecto português osso vaidoso, duo formado pela voz de ana deus (três tristes tigres) e a guitarra de alexandre soares (ex-gnr), irreverente na interpretação das letras, também elas peculiares, mas a pedir um palco mais intimista.

o que se seguiu foi uma noite competente, mas fria em vários sentidos: pela temperatura baixa no recinto; pela reduzida afluência; e porque, irremediavelmente, sentimos falta de um aroma a áfrica. o ensemble al-madar, composto por músicos árabes e nova-iorquinos, brindou-nos com uma brisa suave donde sobressaiu o alaúde e a flauta ocidental.

a parceria entre o tunisiano lofti bouchnak e os rockeiros franceses l’enfance rouge resultou numa mistura progressiva semi-meditativa, convencendo em mostra de personalidade mas não totalmente na fusão musical. já os finlandeses frigg, rompendo com as explorações subterrâneas, desafiaram assumidamente o público a dançar. e a verdade é que os três violinos, o contrabaixo, a guitarra, o bandolim e as gaitas do grupo nórdico foram tocados com euforia tal que a audiência acabou por responder com pulos e palmas.

 

dead combo e o herói da guitarra

acabaram por ser os concertos de sábado a nos vender, sem previsões de devolução, a ideia de que esta será uma das edições mais fortes do certame. pelas 19h já as muralhas do castelo estavam cheias para o primeiro concerto. entrada livre de luxo: não seria exagero dizer que houvesse só aquele gig e voltaríamos de papo cheio para casa.

o feito coube à dupla portuguesa dead combo – rodeados de rosas brancas vermelhas, tó trips na guitarra, e pedro gonçalves no contrabaixo – que sacaram dois trunfos de peso ao longo do concerto. primeiro, o baterista alexandre frazão, ritmando com fulgor (voaram baquetas!) as melodias western spaghettianas dos anfitriões. depois, foi a vez do “grande herói da guitarra, o senhor marc ribot” ser chamado ao palco por trips. e ribot fez magia, abrilhantando com alma de carlos paredes (pela forma como as seis cordas da sua guitarra ganham novos caminhos a cada dedilhar) as músicas do álbum ‘lisboa mulata’ e até uma cover da canção ‘temptation’, de tom waits.

 

conflitos no mali chamados ao palco

a diva maliana oumou sangaré e o banjoísta nova-iorquino multi-premiado bela fleck, parceria nascida em 2005, deram um belo concerto, abrindo espaço para o brilhantismo individual de ambos e a degustação de instrumentos dos restantes músicos como o n’goni. sangaré cantou, oportunamente, sobre a cidade histórica de tombuctu, após uma breve introdução relativa aos conflitos políticos actuais no mali: “é para todas as crianças a sofrer no norte. somos optimistas, vamos recuperar o nosso país!”

marc ribot subiu ao palco pela segunda vez na mesma noite com o seu projecto ‘los cubanos postizos’, prestando uma homenagem suculenta a arsénio rodriguez, um dos maiores compositores cubanos juntamente com benny moré. depois foi a vez de a imperial tiger orchestra, da suíça, subir ao palco com a cantora etíope hamelmal abate. um concerto avivado por dois incansáveis bailarinos e pelo revisitar de alguns temas da série dos anos 60 e 70 ‘éthiopiques’.

o fecho do primeiro fim-de-semana do festival coube ao projecto shangaan electro, da áfrica do sul, cujas exóticas 180 batidas por minuto soltadas digitalmente pelo líder nozinga, e acompanhadas com esmero por dançarinos extravagantes, agitaram o público num ambiente de after-hours.

o festival recomeça na próxima quarta-feira, entre 25 e 28 de julho. aguardam-se a jovem promessa fatoumata diawara, discípula de oumou sangaré; os congoleses staff benda bilili, substituição de última hora no calendário; a norueguesa mari boine, voz do povo sami; o trompetista sul-africano hugh masekela; e mais uma parceria intercontinental de encher o olho, entre o co-inventor do afrobeat tony allen e o teclista americano amp fiddler. entre muitos outros.

aisha.rahim@sol.pt