Luta sem tempo de antena

A população do Bahrein continua a protestar contra a monarquia, apesar da aumento da repressão. Quase um ano e meio após o início da revolta popular, as manifestações sucedem-se a um ritmo praticamente diário e em diferentes partes do país. E estão a alastrar à Arábia Saudita.

a amnistia internacional contabilizou pelo menos 95 mortos nos protestos do bahrein desde fevereiro de 2011.

a proibição das manifestações, decretada no início do mês, foi a última tentativa do rei hamad e do seu tio, o primeiro-ministro shaik, de travar os protestos e legitimarem a violência contra a população. o poder alega que a nova lei visa impedir constrangimentos no trânsito e evitar violência nas ruas, enquanto a oposição vê na legislação mais amarras para silenciar a revolta.

mas o fogo da revolta parece demasiado vivo para ser extinto com um decreto do monarca. a população saiu à rua em bani jamrah, sitra e daih, mas as manifestações «foram brutalmente reprimidas, com o apoio do exército saudita», relata ao sol a especialista maria joão tomás, do instituto de estudos estratégicos e internacionais (ieei).

covadonga de la campa alonso, responsável da amnistia internacional a acompanhar a situação no bahrein, diz que a organização continua a registar detenções, violência na rua e torturas nas prisões. «as pessoas continuam a ir para a rua a pedir uma alteração política, mas são recebidas com força excessiva. temos conhecimento de cidadãos que sofreram fracturas múltiplas, que foram atingidos com tiros de caçadeira e que são torturados dentro das prisões», diz a responsável.

a luta da maioria xiita visa inverter o ciclo de acumulação de capital por parte da elite sunita. «há cada vez menos riqueza a ser distribuída e cada vez mais a ser absorvida pelas cúpulas. estão a lutar pela liberdade e pela democracia», sublinha maria joão tomás.

a violência parece amplificar as vozes de protesto, que já chegaram à vizinha arábia saudita. em daih, ainda no bahrein, registaram-se manifestações de solidariedade com os sauditas que começam a revoltar-se. as famílias reais dos dois países são sunitas, mas os revoltosos xiitas são maioritários no bahrein e minoritários na arábia saudita. daí a importância do apoio da população do bahrein aos seus ‘vizinhos’.

«teoricamente, a população muçulmana deveria viver em paz, sem distinção de ramos do islão. mas estes conflitos têm-se transformados em lutas sectárias, pois facilmente se coloca a culpa no ‘outro’», explica a investigadora do ieei.

guerra fria bem quente

por detrás da revolta no bahrein e do seu silenciamento estão jogos de poder a nível mundial. pela região passa 40% do petróleo global, através do estreito de ormuz que o irão ameaça encerrar. e é no bahrein que está estacionada a v esquadra naval dos eua, que esta semana disparou contra um pesqueiro civil provocando pelo menos um morto, sinal do nervosismo instalado na região.

a mudança de poder neste pequeno país seria um golpe contra os interesses da arábia saudita, aliada dos eua, e uma vitória para o irão, aliado da rússia e china. daí os norte-americanos terem retomado a venda de armas ao bahrein, em maio, e o reino unido se recusar a suspender a venda de material bélico para as monarquias sunitas da região – armas utilizadas para esmagar os protestos dos cidadãos.

«o que estamos a assistir no bahrein é uma grande mudança nos planos da geoestratégia mundial», analisa maria joão tomás. «os grandes actores mundiais estão a posicionar-se para assegurar-se que os seus interesses são defendidos».

frederico.pinheiro@sol.pt