o problema de se nascer numa família de pessoas boas é que não crescemos a aprender a lidar com o mal. muitas vezes nem sequer desenvolvemos mecanismos para o reconhecer, como é uma realidade que nunca nos tocou, não somos atentos nem sensíveis a ela.
quando estava a entrar na faixa dos 20, tive uma amiga má. uma amiga má é uma ferramenta fundamental para o crescimento de qualquer mulher, porque ela ensina-nos imensas coisas, nomeadamente a ser má, se for preciso. hoje já teria os mecanismos de defesa devidamente treinados para detectar a maldade na dita amiga, mas com 20 anos o mundo é lindo, todas as cidades que visitamos nos parecem boas para viver, apaixonamo-nos com grande facilidade e encantamo-nos com tudo o que é novo, estimulante e diferente.
a minha amiga era divertida, bem-disposta, disponível e parecia gostar muito de mim, até ao dia em que me tornei namorada do seu único irmão. passei então de princesa a gata borralheira, porque a minha suposta amiga fazia tudo o que estava ao seu alcance para me deitar abaixo. vivi dois anos mergulhada num inferno, sem saber como lidar com aquilo, porque o meu treino em maldade era nulo. e quando tudo se acabou, guardei as lições que aprendi do convívio amargo com aquele ser por quem os meus sentimentos passaram da admiração à raiva, da raiva ao desprezo e deste à indiferença.
quis a divina providência que a ‘cunhada má’, versão da irmã má da cinderela, dos anos 90, nunca mais se cruzasse no meu caminho, mas se isso um dia ainda acontecer, imagino-me a cumprimentá-la com um sorriso quase simpático. na verdade, estou-lhe grata por me ter mostrado que existem pessoas que se alimentam de maldade pura, cuja existência se consome em prejudicar deliberadamente a vida alheia e para quem o único interesse está em chatear, criticar ou prejudicar o próximo.
a noção de maldade humana também me ensinou que não devemos ser bons para quem nos trata mal. quando alguém nos desrespeita ou demonstra por actos e palavras – ou pela ausência dos mesmos – falta de estima, de consideração, de empatia ou da mais elementar simpatia, não devemos responder na mesma moeda; o melhor é nem sequer responder.
é difícil passar da admiração directamente para a indiferença, mas com o treino, consegue-se. o tempo é o nosso maior aliado, porque a vida é mesmo curta. basta pensar que não podemos dar-nos ao luxo de perder tempo com quem não merece nada de nós. e é bom não esquecer que os adultos são como as crianças: só vão até onde os deixam ir. como disse uma vez o avô de um amigo meu em são carlos, a meio de uma ópera muito chata: «basta que é difícil».
as pessoas más são pessoas difíceis, tristes, que não cresceram bem. ser mau é como ter um pé boto ou um olho vesgo. as pessoas más são mal acabadas e, por isso, o melhor é acabar com elas na nossa vida antes que elas acabem connosco.