Os benefícios da crise

Para quem vive da informação, é natural que se comece o dia ouvindo noticiários. O que se terá passado enquanto se dormiu?

ligando a televisão nos canais informativos fica-se com uma ideia e com a noção de que não se será surpreendido ao chegar ao jornal. esse é um ritual que cumpro há muitos anos. sem querer ser desagradável, nem corporativo, diga-se que muitas vezes fico estupefacto com a qualidade dos repórteres dos directos, já não falando de alguns pivôs que olham para as primeiras páginas dos jornais e só conseguem decifrar as questões políticas mais na berra. então quando a matéria versa sobre desporto é quase de ir às lágrimas…

percebo que os canais informativos precisam de encher a programação com os famosos directos. daí ser um clássico irem para a rua ouvir o que as pessoas têm a dizer sobre os temas da actualidade. aumentou o preço dos combustíveis, logo se envia um repórter diligente para as bombas de combustível que irá ouvir, certamente, muitos comentários favoráveis aos ditos aumentos… há greve dos transportes? fala-se com alguém que vai dizer, mais uma vez, mal do governo e dos grevistas.os exemplos são mais do que muitos.

percebo que tempo é dinheiro e não se pode perder muito tempo a investigar ou a elucidar os jornalistas de serviço para enquadrarem o tema que estão a noticiar. que há uma crise profunda e que há milhares de pessoas que vivem momentos angustiantes, ninguém tem dúvidas. os problemas sociais agravam-se de dia para dia e ninguém pode ficar indiferente a eles.

no entanto, convém ter algum bom senso para não se cair no ridículo. há dias, um dos canais fazia as tais reportagens de rua e questionava as pessoas que tinham deixado de levar o carro para o trabalho e passado a viajar de transportes públicos. alguns dos entrevistados diziam que, por causa do aumento dos combustíveis e do estacionamento em lisboa, passaram a usar o comboio para chegar ao trabalho. «é muito mais cómodo, poupo dinheiro e não apanho tanto stresse», diziam alguns dos populares, mais coisa menos coisa. o jornalista que os entrevistava nem estava a perceber as respostas e insistia nos malefícios da crise. mas andar de comboio é mau? não estar metido em filas intermináveis é mau? mau é perder o emprego e não ter esperança de conseguir alguma coisa num futuro próximo. é bom que a comunicação social não funcione como um barril de pólvora…

vitor.rainho@sol.pt