Festival Músicas do Mundo: a chama congolesa [Fotos

O segundo capítulo do Festival Músicas do Mundo, em Sines, ficou marcado pelo espírito festivo congolês trazido pelos Staff Benda Bilili e por Jupiter e a sua orquestra Okwess International.

veja aqui as fotografias deste último capítulo do festival.

tomámos fôlego para a segunda parte do festival músicas do mundo, em sines, que, embora só tenha adormecido por um domingo e uma segunda-feira, retomou a programação mais sólida na quinta, 26 de julho. mesmo a tempo de vermos subir ao palco a jovem promessa do mali fatoumata diawara, guitarra em punho a fazer adivinhar um serão de blues mais tímido que intimista, felizmente para nosso engano: pouco a pouco a artista de 30 anos e figura esguia desabrochou em palco, soltando as tranças negras e rodopiando as vestes garridas ao ritmo dos coros, bateria e a outra guitarra que a acompanhavam nos temas do seu álbum de estreia, fatou.

à semelhança do discurso de oumou sangaré no dia 21 de julho, a cantora da região de wassolou invocou pela segunda vez no palco do castelo os conflitos no mali – “eu sou o norte e eu sou o sul. não me podem dividir” – pedindo “paz para as crianças”. e despediu-se abençoando o público, conquistado progressivamente, num gesto simbólico.

seguiram-se os carismáticos staff benda bilili, cuja substituição de última hora do australiano gurrumul significou não mais que uma boa notícia. é impossível ficar indiferente à energética rumba congolesa deste grupo de músicos de rua deficientes motores que ensaiavam no zoo de kinshasa e foram descobertos pela crammed records (que espera lançar o seu segundo álbum, ‘bouger le monde’, em setembro).

entrelaçadas pelo fino ruído de um peculiar instrumento feito a partir de uma lata de leite, as suas canções enfeitiçaram o público numa sequência belíssima, que se agarrou às centenas de corpos do recinto e os pôs a dançar, mas também soube deixá-los livres em melodias mais mornas.

noite de fusão

sexta-feira, 27 de julho, foi dia de cruzamentos de géneros com sabor experimental. em zita swoon group, que fechou a noite no castelo, o belga stef camil carlens (ex-elemento dos deus) tentou fugir à pop ocidental na companhia do canto na língua mandinga dioula de awa démé e do balafon (espécie de xilofone) de mamadou diabaté kibié, ambos do burkina faso. já antes o maliano lansiné youssef pegara no balafon em diálogo aberto com o vibrafone do francês david neerman, criando paisagens pontuadas de jazz e rock. e o tunisino dhafer youssef, voz meditativa e mãos no alaúde, fizera a ligação entre o jazz europeu e a tradição árabe, fazendo-se acompanhar de músicos dados ao improviso.

acabou por ser a norueguesa mari boine a estabelecer uma ligação mais intensa com o público, através do yoik, canto tradicional do povo sami (de que é descendente) que era usado pelos xamãs a caminho do transe, dando-lhe um toque jazzístico e contemporâneo.

lendas vivas

ao final da tarde de sábado, último dia da 14.ª edição do festival, já o recinto do castelo se enchera para ver a orquestra todos, composta por músicos portugueses e imigrantes de quatro continentes, entre eles o maestro italiano e criador do projecto, mario tronco. não parece tarefa fácil unir dezasseis artistas, uns mais profissionais que outros, com referências musicais tão díspares. mas apesar de a dinâmica em palco estar ainda visivelmente pouco oleada, o público não se fez de difícil e aplaudiu a mensagem ali proclamada: “os povos não se medem pela capacidade económica, mas pela capacidade de se cruzarem”.

perto das 22h começava o show de hugh masekela, expoente do jazz sul-africano. exilado durante anos devido ao apartheid, o trompetista, cantor e compositor de 73 anos assumiu toda a sua persona em palco: dos maneirismo de diva aos discursos políticos lembrando tanto os mineiros da áfrica do sul como nelson mandela através do tema ‘bring him back home’; da homenagem a fela kuti através de uma versão de ‘lady’ à contínua provocação da audiência: “porque são tão gananciosos? porque são tão controladores? porque são tão… bonitos?”

outro dos mais aguardados espectáculos desta edição era o do famoso baterista nigeriano tony allen (sem o qual não ouviríamos, provavelmente, falar em afrobeat), que trouxe a sines o projecto blackseries, com o teclista e cantor norte-americano amp fiddler (parliament/funkadelic). aos 71 anos de idade, allen mostrou estar em boa forma, conduzindo sem quebras mas ao mesmo tempo sem grandes clímaces um concerto repleto de funk, soul, motown e r&b.

dançar até ao amanhecer

contrariando o ânimo quase alentejano de allen, o congolês jupiter e a orquestra okwess international, toda ela com muita personalidade (destaque para a voz vibrante de shule mubiayi na guitarra e para a dançarina polivalente nelly eliya) subiram ao palco prontos para rebentar foguetes. e foi vê-los explodir no céu, literalmente, como é apanágio dos espectáculos de encerramento no castelo.

em modo folia-até-ao-amanhecer, o público rumou ao reduzido palco do pontal (nova morada dos concertos perto da praia, devido às obras do programa de regeneração urbana no município) para encontrar lirinha, cantautor da música indie brasileira, com poesia a mais na ponta da língua para aquela hora da noite. pelas reacções da multidão, esperava-se ansiosamente pelos ritmos ecléticos habitualmente disparados da cabine dos dj bailarico sofisticado em noite de despedida. foi sol de pouca dura: o set durou apenas hora e meia. pelas 6h30 já a discoteca ao ar livre fora esvaziada pelas autoridades (que pareceram marcar presença exagerada quando comparada com anos anteriores).

aisha.rahim@sol.pt