Foi o último dos boémios, numa época em que jet-set significava almoçar em Paris e jantar em Nova Iorque. Autêntico embaixador do Gambrinus, onde se sentava ao balcão no lugar mais próximo da torneira de cerveja para se poder apoiar a sentar e levantar, Carlinhos Feio partia depois da emblemática casa lisboeta para périplos pelas discotecas dentro. Um dos episódios inesquecíveis que com ele vivi foi numa já longínqua noite, quando o encontrei ao balcão da então Kapital. Acompanhado por várias raparigas – e não, aqui não havia maldade, adorava falar com gente nova –, Carlinhos chamou-me para me oferecer um copo. Recusei, já que estava com outras pessoas, e afastei-me. Umas horas depois, ao entrar no Kremlin pela porta interior da Kapital, deparo-me com Carlinhos já devidamente sentado ao balcão. «O menino Vitinho agora não se vai pirar. Fica aqui a fazer-me companhia até porque estou com uma sede inaudita». Fartámo-nos de rir até que ele começou a dizer que estava com fome. «Vamos tomar o pequeno-almoço ao Tivoli», disse como uma ordem. Quando chegámos ao hotel destoávamos um pouco das pessoas que se tinham levantado àquela hora…Carlinhos era um clássico no hotel e todos os empregados o conheciam. Ninguém levava a mal o seu comportamento mais extrovertido. Um homem quase na casa dos 80 anos, com aquela vitalidade, deixava os estrangeiros meio estarrecidos. Lembro-me também dos aniversários épicos do Gigi em que ficávamos todos hospedados em apartamentos próximos. Depois de Joaquim Machaz foi a vez de Carlinhos Feio partir. Duas grandes figuras da vida lisboeta.
P.S. Esta semana também desapareceu outro amigo. OAgostinho, irmão de Manuel Faria, serviu-me algumas refeições históricas no Alcântara-Café e copos no antigo Loft. Sempre com um sorriso, lutou como poucos contra a doença. Até sempre. l
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