orson welles disse um dia que havia, não dois, mas três géneros: o masculino, o feminino e os actores.
os actores são pessoas à parte, seres que emprestam corpo, rosto e emoções aos personagens que, literalmente, incarnam. mas, em portugal, a carreira de actor é uma sucessão de frustrações. temos actores geniais, como temos, em muitas outras áreas criativas, gente a quem não falta génio e talento. o que o país não tem é dimensão nem escala; e, mais do que tudo, políticos com dimensão, escala e, sobretudo, com visão, capazes de perceber que deviam apostar na língua e na nossa capacidade de gerar ficções, e que isso passa pela produção de filmes, peças de teatro e boas séries de televisão. como já várias vezes aqui dissemos, o nosso cinema, subfinanciado e dependente, é o que tem a menor quota de mercado da ue. e a ficção na tv é típica do terceiro mundo: nas privadas, o prime-time é praticamente ocupado pelas telenovelas, uma forma que os países latino-americanos encontraram, nos anos 50, para poder ter ficção na sua língua. por sua vez, na tv pública, por falta de recursos financeiros e, compreensivelmente, para não concorrer com os privados, a rtp, que há muito deixou de poder produzir séries, optou por produzir ficções alternativas, mas sem grande regularidade, como uns escassos telefilmes de que já aqui falei. para agravar a situação, com as ‘políticas’ deste governo, as perspectivas são trágicas. com francisco josé viegas, o cinema parou há um ano e a tv ameaça entrar em níveis de degradação que farão as telenovelas parecer produtos de luxo.
vale a pena, por isso, analisar durante alguns artigos o sucesso das novelas, o know-how de quem as produz e o estoicismo dos actores que, sem grandes alternativas, teimam em perseguir a sua vocação; e, ao mesmo tempo, constatar a pobreza dos conteúdos, que, importando o modelo sul-americano, nos mostram um portugal que não existe e se condenam, por isso, à insignificância; o equivalente, afinal, ao que eram os filmes da mgm, o cinema dos ‘telefones brancos’ na itália de mussolini e os filmes da ‘política do espírito’ de antónio ferro: ficções ‘escapistas’ e descartáveis, que mantêm o povo entretido com histórias mirabolantes, intrigas vácuas, actores populares e sonhos ilusórios.
apvasconcelos@gmail.com
