todos os anos me confronto com dezenas de jovens que decidiram, muitas vezes com enormes sacrifícios pessoais ou dos pais, seguir a carreira de actor. invariavelmente descubro talentos surpreendentes, jovens com uma qualidade inata para representar (o termo português para ‘act’ é absurdo, mas é o que há) a quem passo o melhor do que sei. mas todos os anos, há um momento em que me invade uma angústia e um desalento que me esforço para não deixar transparecer: o que vai ser destes marlon brandos em potência, destes al pacinos lusos, destas jovens e promissoras meryl streeps? que oportunidades vão ter para mostrar os seus talentos no teatro e sobretudo no cinema? com um bocado de sorte, arranjam trabalho e granjeiam popularidade nas telenovelas. o que me faz sentir como se estivesse numa escola de música que se esforça por ter os melhores métodos e os melhores professores de piano, por exemplo, de onde saem todos os anos richters, brendels e pollinis em potência, mas que, terminado o curso, só arranjam trabalho no bar de um hotel!
a situação dos actores em portugal não é muito diferente. somos o país dos três p’s : pequeno, pobre e periférico, mas isso não devia servir de desculpa para o miserável investimento nas indústrias criativas, nomeadamente na área do teatro, do cinema e da televisão. o panorama nunca foi muito animador, mas a devastação que se abateu sobre estas actividades com o actual governo (a ‘crise’ tem as costas largas!) ameaça fazer de nós, também nesta área, um país do terceiro mundo.
as várias associações do sector têm multiplicado os seus protestos contra os cortes nos apoios ao teatro e ao cinema, a degradação da oferta televisiva, as ameaças à tv pública, o atraso e a indigência da lei de cinema. mas o que é surpreendente é que os actores, talvez os mais sacrificados, não se fazem ouvir. cada um faz pela vida, mas não pensam em organizar-se numa associação que reivindique mais e melhores condições de trabalho, na medida em que a existência de uma ficção audiovisual significativa, pertinente e reconhecida é vital para o país. será que os actores não têm a noção da sua popularidade e do seu peso na sociedade? e do impacto que teria, por exemplo, a organização de um cordão humano à volta da assembleia da república e de s. bento exigindo condições de trabalho dignas, e não obrigações ridículas, leis absurdas, concursos iníquos e esmolas humilhantes?
