além dos telediscos de consagrados como kanye west ou 50 cent cheios de mulheres sexy, também os rappers mais novos alimentam este mundo de clichés heterossexuais agressivos e homofóbicos. prova disso são as canções do jovem colectivo odd future, que tem no irreverente tyler, the creator a sua figura mais destacada e que frank ocean também integra. contraditório? um pouco. daí tanto falatório. mas também é certo que os temas dos odd future a que ocean, de 24 anos, empresta a voz são os menos controversos e os mais melancólicos.
em entrevista ao guardian, o artista não explica esta incoerência, mas garante que a revelação da sua bissexualidade só surgiu como medida de antecipação do que aí vinha: as letras explícitas de channel orange. cumprindo a boa tradição do hip hop, os temas são abordados sem reservas, mas em vez dos palavrões habituais, aqui há elaboradas confissões amorosas tanto a mulheres, como a homens.
ultrapassado o contexto sexual, o único embalo que o registo precisa é o de ser ouvido sem preconceitos. a haver alguma ideia pré-concebida é a de que frank ocean fez um brilhante disco de estreia, onde a qualidade da escrita e da composição está muito acima daquilo que a música comercial tem actualmente oferecido.
assumindo a sua idade e a forma como a sua geração comunica, channel orange foi construído como uma página de uma rede social, com muitos interlúdios a interromper as canções e onde se misturam excertos da vida quotidiana (uns densos outros mais ligeiros), histórias sobre gente real ou fantasias impossíveis de acontecer, ideias inacabadas, citações descontextualizadas… são muitas e diversas as camadas e texturas que criam o universo de frank ocean.
uns pós de prince
sobre a interpretação vocal há um charme rejuvenescedor, com memórias de prince a percorrer o álbum do princípio ao fim, sendo o orelhudo ‘lost’ o melhor exemplo das semelhanças entre os dois artistas. na composição, o r&b é o rei da festa, com o hip hop a sobressair muitas vezes. há ainda várias ‘piscadelas de olho’ ao funk, à pop e ao rock, numa narrativa rica. e depois há a escrita: inteligente, sedutora, aveludada com jogos de palavras e metáforas certeiras a unir as ideias (oiça-se com atenção ‘pyramids’, canção de quase dez minutos sobre como cleópatra podia ser uma prostituta dos tempos modernos).
em 2005, quando abandonou a sua terra natal, new orleans, depois do furacão katrina ter destruído a casada família e o seu estúdio caseiro, frank ocean mudou-se para los angeles para perseguir o sonho da música. depois de bater a várias portas, conseguiu entrar no circuito ao vender letras a nomes como justin bieber e beyoncé. mas só no ano passado – já tinha lançado sozinho e de forma gratuita na internet nostalgia, ultra (compilação de canções originais, gravadas de forma artesanal em casa) –, quando participou em duas faixas de watch the throne, disco de kanyewest e jay-z, é que os dados foram verdadeiramente lançados. e ainda bem que assim aconteceu, porque channel orange é uma preciosidade que merece ser ouvido com máxima atenção.