‘Não tive momentos infelizes’

Jorge Carlos Fonseca faz balanço de um ano na presidência.

no dia 9 completou um ano de mandato. em jeito de balanço gostaria que destacasse o momento mais feliz e o momento mais infeliz deste período.
bom, o mais feliz é o dia da tomada de posse. uma coisa é ter a convicção, quando fizemos a campanha, de que ganharia as eleições. outra coisa é quando tomamos consciência plena de que somos o presidente da república e chefe de estado. isso implica felicidade, mas também alguma dose de responsabilidade. o acto da posse foi um momento emocionante. o salão nobre do parlamento estava cheio, com muitas pessoas dos bairros e, lá fora, nas ruas, as pessoas chamavam pelo nome do presidente. é um momento marcante. outros momentos felizes são as visitas aos municípios, os contactos com as pessoas. fiz campanha com o lema ‘um presidente junto das pessoas’ e tinha dito que faria pelo menos um encontro com os jovens de seis em seis meses. em menos de um ano fiz seguramente mais de 20 encontros com jovens em várias localidades do país. e visitei 16 dos 22 municípios do país. são momentos muito agradáveis para um presidente que pretende estar junto dos cidadãos, não como um fim em si mesmo, mas como instrumento para um diagnóstico dos problemas reais das pessoas. não creio que tenha tido momentos infelizes. tive momentos mais difíceis de resolver, mais bicudos. há dias usei pela primeira vez o direito constitucional que é o veto político, vetei a taxa ecológica. ou quando se rejeita nomes de embaixadores propostos pelo governo, isso implica uma certa ponderação de decisão.

disse numa entrevista recente que mantém com o governo uma relação «normal». pode detalhar?
é a primeira vez que há um presidente eleito por sufrágio directo e universal e que não teve o apoio do partido do governo. neste contexto, que não lhe chamo de coabitação porque tecnicamente não é à maneira francesa, as relações têm sido normais.

tem reuniões acesas com o primeiro-ministro?
normalmente são cordiais e respeitosas, como não podia deixar de ser. as divergências de ponto de vista são de certa maneira naturais. o sistema que temos é o que eu chamo de semipresidencialismo fraco, um sistema misto parlamentar-presidencial, e relativamente sofisticado. é um sistema que talvez seja mais adaptável a uma democracia mais consolidada. mas se o sistema é exigente, também o é noutro sentido. é capaz de ser uma exigência que potencie os factores que levam ao aprofundamento e aprimoramento do estado de direito.

depende muito dos protagonistas.
evidentemente. o sistema só funciona com uma consciência clara dos poderes que cabem a cada órgão de soberania e também com um sentido de cooperação institucional na base da lealdade. o que não quer dizer que essa cooperação não seja crítica. assumo por inteiro a função de acompanhamento e fiscalização da acção governativa, de cooperação institucional com o governo, mas tenho poderes próprios que a constituição me dá, e assumo-os e exerço-os descomplexadamente. quer dizer, se puder ajudar o governo através das minhas propostas, sugestões e intervenções, fico satisfeito, porque estarei a potenciar uma acção governativa tendo em conta as necessidades das pessoas. mas se tiver de ter uma intervenção crítica e dissonante, mesmo que publicamente, não hesitarei em fazê-lo se isso for do interesse do país.

há algum exemplo de uma ideia sua que tenha sido posta em prática?
já no meu programa eleitoral tinha a proposta de que uma das soluções possíveis para resolver o problema do financiamento do ensino superior para pessoas com dificuldades económicas para pagar as propinas seria a criação de um fundo de risco. já como presidente em várias intervenções falei disso. e fiquei satisfeito quando há pouco tempo o governo decidiu aprovar uma medida desse género. mas há outras medidas. fiz uma visita a santo antão e falaram-me da necessidade de regular a produção da aguardente de cana-de-açúcar, que é um produto muito importante para essa ilha. há queixas de alguma desregulação, de aguardente de péssima qualidade que põe em perigo a integridade física e a vida das pessoas e que tem outros impactos sociais negativos. fiz uma pequena intervenção sobre isso e dois dias depois ouvi na rádio um responsável da administração a dizer que iam propor ao governo a criação de medidas de regulação da produção da aguardente. o que quer dizer que a ideia de uma magistratura de influência política e moral sobre a sociedade tem funcionado.

cesar.avo@sol.pt