Os complexos do tempo da outra senhora

Há dias, um amigo que navega entre o Bloco de Esquerda e o PCP, comentava, depois de desafiado, a sua experiência de docente do ensino secundário.

recordava que numa das turmas apanhou três alunos que nas outras disciplinas tinham excelente aproveitamento, mas que na sua eram um desastre, até porque não se aplicavam minimamente. quando chegou a hora de se reunir com os seus pares para fazerem a avaliação do período, os colegas reprovaram a sua atitude de dar apenas 9 aos alunos em questão.um mês depois, fizeram uma reunião extraordinária onde os outros professores decidiram subir as notas dos alunos, até porque tinham poder para o fazer. parece que os pais, também com assento em órgãos decisivos nas escolas, já tinham ameaçado ‘tratar da saúde’ ao professor malandro que não queria dar positiva a quem praticamente não tinha posto os pés nas aulas ou que não ligou nenhuma às matérias dadas.

durante anos, histórias como esta passaram-se aos milhares. professores desautorizados, a política do facilitismo imperava e não se devia reprovar ninguém porque as crianças podiam ficar traumatizadas. acredito que ficavam devidamente preparadas para encarar a vida profissional…

no ensino superior sucediam-se cursos verdadeiramente mirabolantes cujo objectivo principal passava por as faculdades fazerem fortunas à conta de coisa nenhuma.

nos últimos tempos, o actual governo anunciou a intenção de obrigar os alunos que chumbem três anos a enveredarem pelo ensino profissional. caiu o carmo e a trindade porque isso é uma discriminação sem paralelo e é um regresso ao passado. durante 30 anos o país viu ser destruído um dos bons exemplos do ensino: o técnico ou profissional. será que na sociedade só há lugar para doutores e engenheiros? não serão precisos carpinteiros, canalizadores ou mecânicos? na actual conjectura até se sabe que essas profissões são melhor remuneradas que algumas saídas dos cursos superiores, mas isso não interessa nada. é uma discriminação, ouve-se. o que não se vê discutir é o que será o tal ensino profissional. irá de encontro às necessidades do país? com os desenvolvimentos tecnológicos é óbvio que não se poderá idealizar um ensino profissional idêntico ao que existia antes do 25 de abril. mas, em muitas áreas, será de todo aconselhável recuperar o que de bom se fazia. é tempo de acabar com complexos parvos.

vitor.rainho@sol.pt