A febre de Angola à noite

Enchem as zonas VIP das discotecas, vão atrás dos promotores como quem segue gurus e, numa só noite, chegam a engordar receitas até aos 50 mil euros. O SOL partiu à descoberta das festas angolanas em Lisboa.

um tapete vermelho estende-se sob os pés. à porta, dois seguranças controlam as entradas pelas apresentações de nome e de imagem, prontamente brindadas por um desvio de pompa fotográfica. «é para o álbum da festa», anuncia o dono da objectiva de serviço, de flash enquadrado nas palavras do momento: «finalistas 2012 do curso de direito».

a mensagem repete-se aos mosaicos num cartaz com visibilidade de propaganda eleitoral, e depressa situa as poses num evento de protocolo institucional. mas é na privacidade de um presente de casamento que se encontra o foco de tanta badalação.

sem um cêntimo de moderação, luís, nome fictício, vestiu de gala a recém-adquirida distinção académica da mulher, e, perante mais de 30 convidados, fez as honras da festa. além de oferecer um jantar ao núcleo angolano da turma de finalistas de direito – com menus a rondar os 30 euros e cocktails especialmente criados para a ocasião – o empresário luandense reservou uma mão-cheia de mesas para danças. por cada uma, calculam-se em média 300 euros de consumos, num bem regado regabofe alcoólico.

perder para ganhar

o programa da festa – iniciada no restaurante da discoteca vip’s club (ex-indochina) e encerrada no the dock’s club – recupera-se pelo olhar de um dos convivas e serve de ponto de partida a esta reportagem, embalada no circuito lisboeta das noites angolanas.

«todos já foram, todos gostaram e todos continuam a gostar», apregoa-se com a assinatura de sing, trixu e callas. «fazemos das melhores festas da cidade», anuncia-se sob o selo da celso eventos e, sem restrições de fronteiras, a black diamond de rúben da cruz desafia idolatrias. «que dizem de trazer este senhor a portugal?».

o norte-americano jeremih é a atracção internacional que se persegue e, a cumprir-se a vocação da marca de rúben, o destino do autor de sucessos como ‘birthday sex’ e ‘down on me’ – este último gravado com o renomado 50 cent – passa por uma actuação em lisboa. «normalmente quem trazia dj do estrangeiro eram as próprias casas e não os produtores de eventos», aponta o responsável da black diamond, rápido na recolha dos próprios créditos. «em dois anos consegui trabalhar para uma casa e ainda apresentar dj e cantores internacionais».

o último aterrou na pista da rs dreams e, contra a corrente que parece condenar a véspera das segundas-feiras ao fiasco, conseguiu arrastar – a um domingo – centenas de pessoas para essa discoteca da margem sul do tejo.

«o segredo do negócio está na credibilidade da marca», assinala rúben, sem qualquer deslumbramento de projecção estatística. «já organizei festas que foram um verdadeiro sucesso de público, mas com as quais não ganhei dinheiro».

o desencontro de contas, que à primeira vista pode soar a falha de planeamento financeiro, explica-se por um assumido investimento na imagem. «no ano passado cheguei a gastar 13 mil euros numa noite, consciente de que o único retorno seria o maior respeito e consideração dos clientes».

o estilo das pistas

a aposta mede-se por um recorde de facturação – «50 mil euros numa festa, antes de deduzidas as despesas» – e também pelas enchentes que, quarta-feira após quarta-feira, esgotam os 300 lugares de lotação da morada fixa na programação da black diamond: o art-lisboa. por aqui, pista afamada pelas sonoridades afro beat e pelos ritmos r&b e hip hop, as entradas cumprem-se ao estilo de uma festa privada.

«se não tiver nome na guest list à partida não pode entrar», nota rúben, lembrando contudo que a presença na lista não serve de carta-branca para descuidos de imagem. «é preciso respeitar o nosso dress code».

com os bonés, os ténis e as t-shirts largas banidos das danças, as pistas badaladas pela produtora vestem-se sobretudo de aprumos clássicos, num desfile de sobriedade invariavelmente quebrado pela ousadia delas.

arrojadas nas cores e nos tamanhos, que variam entre o mini e o nano, e destemidas na escolha dos modelos – colados ao corpo independentemente das formas – elas assumem o estilo sem reservas de curvas. mais do que isso, os movimentos de ancas captados na pista do dock’s – onde grupos de amigas acertam coreografias diante dos espelhos que decoram o espaço – parecem determinados em elevar a vaidade a motivo de exibição pública.

«é como uma montra. nota-se que é um público que gosta de aparecer e o próprio negócio está montado à volta disso: além de fotografia, temos um rapaz a fazer vídeos», adianta victor ferreira, o empresário português que há mais de uma década se rendeu aos encantos da noite africana. «tudo começou por causa de uns amigos angolanos», recorda, desafiado a abrir as portas da sua antiga benzina ao ritmo das passadas. «tinha receio porque não sabia nada do assunto, mas depois de uma viagem, que começou na antiga discoteca mussulo, decidi arriscar. gostei do que vi porque encontrei outra alegria de viver a noite».

a experiência conduziu à inauguração da luanda – rebaptizada soul club e hoje kaombo –, casa de ligação a sing, trixu e callas, o trio de angolanos que se tornou tão popular na promoção das festas de victor ferreira que acabou reconhecido como a marca mais valiosa neste mercado.

«eles são o número um porque foram os primeiros._isso conta muito como exemplo», defende celso silva sem moderar no reconhecimento dos méritos da concorrência. no negócio da noite desde os 18 anos e agora com 24, este filho de angolanos nascido em portugal acaba de se transferir do primeiro piso da kapital para o recém-inaugurado sins lounge.

expansão com lógica de rebanho

«os donos desta casa foram à minha procura na kapital porque ouviram falar das minhas festas», conta o responsável da celso eventos, há menos de um mês ocupado na dinamização do novo espaço, embora fiel à meta de sempre. «depois de se atingir um certo patamar no mercado da noite, o produtor deixa de ter necessidade de recrutar artistas porque ele próprio tem de ser o artista. cheguei a esse ponto: quero que as pessoas venham às festas por mim».

por detrás da lógica de rebanho, que facilmente se pode confundir com uma demonstração de culto, desenvolve-se uma das principais características do negócio: a mobilidade.

«já fui contactado para levar a minha festa a outras casas», adianta sing correia, aliciado a estender a sua máquina mobilizadora além do dock’s, do vip’s e do bbc, espaços que vivem da sua identidade de grupo – sing, trixu e callas.

«não tenho dúvidas de que essa marca é um factor de peso. e convém não esquecer que, antes de assumirmos o espaço, o dock’s estava à venda por falta de clientela».

as memórias de uma discoteca em época de crise – desfiadas pelo sócio victor ferreira à distância de pouco mais um ano de programação angolana – tornam-se inimagináveis perante a extensão das filas que, sobretudo às sextas-feiras e sábados, congestionam os sentidos à beira do rio tejo.

«é a casa do momento», abrevia sing, com a autoridade de quem produz noites no vip’s, no bbc, na kaombo e, desde o início do mês, também na casa da morna. apesar do dinamismo do negócio – que até meados de setembro ainda se estende a festas de praia – o angolano descola-se dos retratos de exuberância financeira.

«há coisas que são mais aparência. as pessoas pensam que ter uma discoteca significa estar com os bolsos cheios de dinheiro, mas isso não é verdade».

com o balanço das excentricidades apoiado sobretudo em desafios colectivos – «há grupos de 20 pessoas em que cada um se lembra de abrir uma garrafa e isso pode ser considerado uma extravagância» – o angolano junta-se ao português na hora de moderar contabilidades.

«é evidente que de vez em quando aparece um ou outro cliente que faz a diferença», admite victor ferreira, remetendo para a cultura o maior diferencial do negócio. «se o africano tiver 1.000 euros gasta os 1.000 euros porque vive cada dia como se fosse o último. nisso o branco é mais conservador».

corrida às pulseiras vip

da observação do empresário à observação da reportagem – alargada a mais de uma mão-cheia de espaços da grande lisboa – a popularidade das zonas vip salta à vista. tão ou mais concorridas do que as pistas de dança, a clássica área de circulação exclusiva apresenta-se muitas vezes mais intransitável do que o espaço não vip. ainda assim, a corrida às pulseiras que dão acesso ao perímetro das mesas – onde o preço das garrafas oscila entre 100 e mais de 1.000 euros – não dá tréguas.

o fenómeno, que depois das esperas à porta chega a causar filas no interior das próprias discotecas, promove-se da mesma forma com que se dinamizam as presenças nas guest lists: através da equipa de relações públicas (rp).

«as necessidades variam segundo o evento, mas para uma noite o meu máximo foram 20 rp», recupera celso silva, sem demoras fixado nas festas que o projectaram no mercado. «todos os espectáculos que organizei com o anselmo ralph marcaram porque ele é um artista que já se sabe…».

à falta de uma adjectivação mais precisa, sing remata com outro famoso de comparação. «o cristiano ronaldo já esteve numa das nossas festas mas é diferente. com o anselmo noto que temos de ter mais cuidado porque ele é mesmo uma estrela».

o tratamento diferenciado – que inclui o encaminhamento para um espaço ainda mais reservado do que a zona vip – afirma-se, na voz de sing, como um dos factores-chave na fidelização do público. «a música é que mobiliza as pessoas, mas a qualidade do serviço também é muito importante». por isso, sem folgas de calendário nem de hierarquias, o luandense faz questão de manter a proximidade aos clientes. «só assim é possível saber o que se vai passar à noite», explica, incansável na defesa da sua imagem de marca: casa cheia.

paula.cardoso@sol.pt