essa superioridade dá-lhe um tom (como ainda se viu nessa espécie de ‘polémica de historiadores’ que aí apareceu) de permanente arrogância pedagógica, que não cede a factos nem a razões. como se o acreditar em determinadas concepções do homem e da vida – geralmente concepções optimistas, simpáticas, ‘porreiras’ – lhe desse o direito de esmagar e precipitar nos infernos, os opositores.
foi essa convicção na certeza e bem absolutos dessas verdades que, quando alcançou o poder – com os jacobinos na frança de 1793, os bolcheviques na rússia (1917), os frente-populistas na espanha (1936), os maoístas na china (1949) ou os khmers vermelhos no camboja (1975) –, a levou a exterminar tranquilamente pela guilhotina, pelo afogamento, pelo ferro, pelo fogo, pelos gulags, pelas revoluções culturais e saltos em frente, milhões e milhões de criaturas consideradas ‘inimigos objectivos’ da revolução, história e do futuro.
levando também às reacções conhecidas: sem aprofundar agora, mas no espaço europeu foi a partir da revolução bolchevique e das tentativas de tomada de poder segundo o modelo soviético, na alemanha, na itália, na polónia e na hungria que se deu a reacção das classes médias enquadradas nas formações fascistas e nacionalistas radicais ou pelas ditaduras e autoritarismos militares.
no portugal dos brandos costumes, as coisas foram menos violentas. talvez por sermos uma nação muito antiga e unida, em que a confrontação ideológica não era radicalizada por factores religiosos ou étnicos; talvez por termos um espaço pequeno, em que nos conflitos a tomada do poder na capital levava à submissão rápida do resto do país. com excepção da guerra civil de 1828-34, os conflitos domésticos foram curtos.
mas, de resto, a matriz foi idêntica. a esquerda usou da força armada e das milícias no liberalismo convulso e na república dos democráticos. perdeu o poder para os conservadores e para salazar depois do movimento militar do 28 de maio, por mais de quarenta anos. reconquistou-o com o 25 de abril e, através da aliança mfa/pcp, teve-o entre setembro de 1974 e novembro de 1975.
nesse período, ‘limitou-se’ a descolonizar, socializar a economia, prender os opositores. mas a europa ocidental da nato e da guerra fria, que não lhe permitiu usar discriminadamente da violência, e a reacção popular afastaram-na depressa.
mas ficou-lhe nas polémicas, e no resto, a tal arrogância e o tal convencimento de superioridade moral. não se enxerga.