‘PSD e CDS têm que sentar-se diariamente’ [VÍDEO

A entrevista, marcada desde Julho, acabou por ser dominada pela actual crise na coligação. Sem se furtar às questões, Paula Teixeira da Cruz lembra a Portas que «tem de haver solidariedade» e avisa que seguir a receita da oposição poria o país «com filas para a sopa».

ficou surpreendida com a manifestação?

fiquei surpreendida, mas ao contrário. esperava uma manifestação com uma maior dimensão e mais dura porque entendo o sofrimento que as pessoas passam, mas o povo português deu um exemplo notável. e espantou-me a exigência de julgamento daquilo que o governo anterior tinha feito, com mais ênfase do que uma acrimónia contra este governo, que também houve.

a manifestação revelou também uma falta de confiança das pessoas na classe política.

claro que sim.

como é que a classe política consegue pedir um esforço a quem não acredita nela?

explicando. explicando o que se passou, qual era a situação, como nós estávamos. neste momento, já diminuímos o défice em 1,6% (se não fossem os juros já estaríamos nos 3%). a nossa balança de exportações é positiva e o défice comercial é positivo. não serão grandes passos, mas são passos. e tem que se agradecer todos os dias ao povo português e a cada um que passa dificuldades. e é timbre do psd sempre que tem um conjunto de medidas partilhá-las com a sociedade e discuti-las na concertação.

mas não foi isso que aconteceu agora, com a apresentação da tsu.

mas quem lhe garante que não é isso que está a acontecer? há naturalmente uma negociação que é depois levada à concertação, como na justiça com os agentes forenses. é extemporâneo retirar qualquer conclusão sobre essa matéria antes de o processo estar concluído.

custa perceber que diga que é normal, uma vez que não foi discutida de forma aberta no conselho de ministros (cm) e na concertação social, além de um dos líderes da coligação ter vindo a público criticar a decisão. como é que isso é normal?

permita-me colocar a questão ao contrário. temos tido sempre decisões que são discutidas em cm e que depois vão para a concertação social, há outras discutidas em reuniões dos ministros e depois enviadas para audições. esta não foge à regra. relativamente ao demais, aos episódios deste último fim-de-semana, limitar-me-ia a dizer que temos um país que foi levado para a beira do abismo e que todos têm a sua responsabilidade e que ninguém, nenhum membro do governo, se pode furtar a ela.

houve aqui uma tentativa de descolagem do líder do cds?

não me vou adiantar sobre isso, apenas digo que se é respeitável a liberdade de opinião, há também a solidariedade que cada um de nós tem que ter para com os outros. pode ter havido alguma forma pouco usual de expressão nesta matéria. mas tenho a certeza que essa solidariedade será mantida.

os dois partidos não se deviam sentar novamente e renegociar as bases de entendimento para que isto não venha a acontecer?

os dois partidos têm que se sentar diariamente, como é próprio de uma coligação. é natural que o estado a que chegámos muitas vezes cause sobressaltos, mas temos que pôr o país à frente e, às vezes, não é fácil estar acima da espuma dos dias.

o líder do ps disse que «há uma linha que separa a austeridade da indignidade». as medidas que estão em cima da mesa para 2013 são dignas da social-democracia?

devolveria em dobro ao líder do ps essa pergunta: por que é que nos trouxeram aqui e por que é que não têm alternativa? não lhe ouvi até hoje uma resposta sobre qual é a alternativa. nem aos outros líderes. ouvi sempre uma concertação inconsequente que nos precipitaria para um cenário próximo da argentina, com filas para a sopa!

o ps insiste que teria renegociado o programa e pedido mais tempo.

e mais tempo foi-nos dado porque cumprimos integralmente o programa de assistência financeira!

acha que se o ps fosse governo faria o mesmo?

faria pior. voltaria à sua cultura, cujos resultados infelizmente herdámos.

só que agora não há dinheiro para gastar.

já não havia em 2009 quando se assistiu a um aumento dos salários e incremento das ppp! há uma cultura de deslumbramento, de despesismo e mesmo de alguma impunidade que espero que acabe agora com esta reforma do processo penal que o governo apresentou no parlamento.

mas estas medidas respeitam os valores da social-democracia?

a social-democracia é a protecção dos mais frágeis e a redistribuição daquilo que há em nome da protecção dos mais frágeis. quando se anunciou a tsu, falou-se não no lucro que transitaria para o patronato, mas nas formas de aproveitar aquele montante em função da redistribuição em investimento em mais trabalho ou em fundos para trabalhadores. vamos ver como vai ser discutido.

manuela ferreira leite diz que isso são medidas soviéticas.

não me lembro de as medidas soviéticas poderem ser discutidas! nem vou recordar outras situações em que a dr.ª manuela ferreira leite teve responsabilidades ao mais alto nível! a dr.ª ferreira leite teve um exercício de mandato, que tal como todos os mandatos, foi objecto de sufrágio pela população.

mas a forma como o pm apresentou a tsu não foi assim, e daí toda a contestação. mesmo no psd não há quase ninguém a defender esta medida.

o psd discute com liberdade todas as medidas.

e o cds também.

aí penso que foi ligeiramente diferente. uma coisa é discutir com liberdade, outra é anunciar uma matéria que é do foro governamental e que no foro governamental deve ser discutida. mas com certeza discuti-lo-emos com toda a liberdade, sem dramatizações. em primeiro lugar porque o momento não permite dramatizações, em segundo porque é do nosso adn saber discutir todas as medidas relevantes não só com o parceiro de coligação, como na concertação social e com a sociedade civil. em comunidade, vamos conseguir ultrapassar esta situação. é preciso é que comuniquemos as razões pelas quais chegámos aqui, o que se está a fazer e porquê.

o governo tem falhado na comunicação?

tem havido um défice de comunicação, parece-me evidente. estamos todos muito assoberbados com o trabalho do dia-a-dia.

não tem que ver com a estrutura do governo?

não, tem que ver com o trabalho imenso que tem sido feito e admito que, neste olhar para o trabalho que tem que se fazer, rapidamente se descure a comunicação. o engenheiro josé sócrates era perito em comunicar e não em fazer. nós temos caído talvez no erro inverso. temos certamente que melhorar essa comunicação.

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paula.azevedo@sol.pt e helena.pereira@sol.pt