que avaliação fez agora a troika sobre a justiça?
nós nunca somos reconhecidos internamente, mas a troika, no comunicado final, fez uma referência sobre as reformas judiciais porque entendeu que vão bem para além do que tinha sido pedido. nessa matéria, estamos muito confortados: antecipámos prazos e calendários e temos as reformas estruturais feitas (umas concluídas, outras em processo legislativo e outras pela terceira ou quarta vez em discussão pública). as alterações ao código de processo penal (cpp) estão aprovadas na generalidade no parlamento e a reforma do código de processo civil (cpc) e do mapa judiciário (lei da organização dos tribunais judiciais) estão em discussão pública. temos pronto para avançar para concurso o plano de acção para a sociedade de informação (o sistema informático) e está em marcha a revisão do código de processo administrativo. por outro lado, temos já terminados todos os meios alternativos de resolução de litígios: a lei de arbitragem (em vigor), a mediação e os julgados de paz (em processo legislativo). o cpc poderia já estar no parlamento, mas ainda está em discussão porque queremos uma reforma participada, para daqui a uns meses ou anos não estarmos a pensar alterá-lo outra vez. e a mesma reflexão queremos para o mapa dos tribunais.
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estando nós nesta situação de aflição, faz sentido fazer mudanças tão profundas, que implicam redistribuição e renumeração de processos, além de movimentos de magistrados. não será o caos?
não vai implicar tanta redistribuição de processos assim. mas foi com essa desculpa que chegámos aqui: uma organização judiciária do século xix e um cpc de 1939 e 43 alterações. é isso que queremos continuar a ter? será que se justificam alguns tribunais, do tempo de d. maria, quando havia estradas de terra batida e não os quilómetros de asfalto e os equipamentos de hoje? há tribunais em que apenas dois por mil da população os utilizam, em sete mil, ou mesmo um por mil, em cinco mil. e com um juiz que vai lá uma vez por mês, tendo que julgar de tudo (cível, crime, trabalho…). isto é justiça? não, nós vamos mudar para um paradigma completamente diferente, isto é, vamos passar a ter uma forma de processo comum, em que o juiz terá poderes fortes de direcção e só serão discutidas as questões principais. quando os julgamentos começarem mais tarde, os tribunais terão de o justificar em acta e as testemunhas terão de ser calendarizadas (vai acabar esta coisa de serem chamadas 20 ou 30 testemunhas no mesmo dia). além disso, as pessoas poderão ser ouvidas por videoconferência em todo o tipo de processos e a partir da secretaria judicial da sua área. isto é uma reforma de vulto e, como todas as reformas de vulto, naturalmente que provoca resistências. por exemplo, eu percebo que ao impor um termo nas prescrições eu e a minha equipa provocamos também vários arrepios de espinha – porque convém a muitos, sobretudo nos crimes económicos, que os processos possam prescrever.
que medidas houve para diminuir os processos em atraso?
quando se diz que portugal tem um milhão e 700 mil acções em atraso, não é verdade. há um milhão e 700 mil acções pendentes. se eu der entrada hoje com um processo, ele fica pendente, não está atrasado; o atrasado é o que ultrapassa os limites legais. podem é dizer-nos: os vossos limites legais são muito alargados. e é isso que estamos a alterar, com o cpc, em que as acções passam a ter prazos entre três a seis meses, e com o mapa judiciário, em que passa a haver uma responsabilidade dos tribunais por objectivos. passam a dar conta de quantos processos entram, quantos são julgados e porquê.
como tem sido a sua relação com as corporações da justiça?
até agora, a sensação era a de que as corporações no ministério da justiça (mj) são insusceptíveis de lutar para um mesmo objectivo – é falso, como está provado. penso que reconhecerão que se vive um ambiente na justiça como não se vivia há muitos anos. e eu tenho de agradecer penhoradamente a todos aqueles que, à volta desta mesa, muitas vezes dia-sim, dia-não, se reúnem para discutir artigo a artigo, representando todos os profissionais. umas vezes estamos de acordo e outras não, mas tudo isto tem de ser feito em concertação.
já recebeu os autarcas dos 54 tribunais que serão extintos?
ainda não. tem que haver primeiro uma discussão ao nível técnico, a que se seguirá a discussão política. eu comprometi-me a receber os autarcas e vou fazê-lo, mas já com um estudo de suporte. já houve alguns autarcas que mudaram de opinião. se virem a rácio de utilização dos tribunais por população, há um exemplo que impressiona: o distrito da guarda tem tantos processos como tem um juiz do tribunal de sintra ou o tribunal do comércio de lisboa. e é nestes tribunais com tão poucos processos que há os maiores atrasos. e porquê? da mesma forma que eu não posso exigir a um médico que seja especialista em tudo, também não posso exigi-lo a um juiz, que é o que se passa agora. tem de haver uma especialização.
como vai implementar o mapa judiciário? de forma progressiva?
penso que a reforma será feita toda de uma vez, em todos os distritos. isso é possível porque tudo está a ser ponderado, pensado e acautelado.
mas em muitos casos terá de haver um grande investimento em edifícios e informática.
por isso é que esta reforma passa por três pilares: a nova lei de organização judiciária, o cpc e um sistema informático. em relação a este, está feito o caderno de encargos. foi feito pela primeira vez, também aqui nesta sala, com a definição de todos os passos dados nos processos por todos os operadores. não fomos buscar nenhuma consultora externa, pois são os profissionais que sabem os passos do processo.
garante que isto não será o enterro da justiça?
tem ouvido os comentários dos vários operadores. há críticas pontuais, mas a opinião generalizada é que são boas reformas.
de concreto, o que mudou na justiça com este governo?
muita coisa. tomámos mais do que uma medida estrutural por semana. eu pergunto: qual foi o governo, desde o 25 de abril, que fez uma medida estrutural por semana na área da justiça? além do que já vos referi, fizemos o código de recuperação de empresas e insolvência e pusemos em vigor os princípios para a recuperação extra-judicial de empresas (um processo de reabilitação, em que os públicos pela primeira vez abdicam dos seus privilégios creditórios). tínhamos 15 regimes de custas, o que levava os funcionários a passarem dias a calcular as contas de um processo, e conseguimos uniformizá-los. em discussão pública, estão os estatutos jurídicos dos agentes de execução e dos agentes de insolvência e o projecto do código das expropriações. a comissão de revisão do código de procedimento administrativo está já a trabalhar. e isto é só um resumo. concederão – e já foi dito por um representante sindical – que há tempos sem memória que não se via uma acção destas no mj. e na parte penal haveremos de voltar ao enriquecimento ilícito…
devia ser uma prioridade nesta sessão legislativa?
naturalmente que é. não é verdade o que dizem alguns, que o enriquecimento ilícito está consumido por outros crimes. dou um exemplo: a é casado com b; a é corrompido e passa a b, a mulher, uma parte ou a totalidade dos proventos ilícitos obtidos. que crime é que b cometeu?
nenhum. mas já falou com os partidos? não se vê um grande entusiasmo nos grupos parlamentares.
depois do orçamento do estado, faremos isso. o poeta herberto helder dizia: «a compreensão vem depois». e eu espero isso. isto é uma matéria estruturante para o combate à corrupção. e se há pouco entusiasmo nalguns sectores que eu posso infelizmente compreender, há também muito entusiasmo noutros que eu também posso felizmente compreender.
a sua guerra com a ordem dos advogados (oa) não foi um erro?
não tenho nenhuma guerra com a oa, isso é um equívoco. eu fui ao congresso da ordem. aliás, o senhor bastonário tem um artigo curioso sob o título ‘uma derrota estimulante’: sentiu-se derrotado por eu ir, por me ver aplaudida, por os advogados se terem levantado quando saí e as conclusões do congresso terem ido ao encontro do que são as políticas do mj. o editorial está escrito, o batalhão não vai todo de passo trocado…. e pese tudo aquilo que o senhor bastonário tem dito, eu nunca respondi, a não ser no sítio próprio, que foi o congresso, apelando a uma cooperação institucional.
o parecer da ordem sobre o mapa judiciário foi negativo.
os pareceres da ordem ou não vêm (porque dizem que não têm tempo, quando os outros têm) ou são todos adversos. o sr. bastonário, por exemplo, acha que a arbitragem, que existe em todos os países, é uma forma de justiça privada. isto quando os tribunais arbitrais estão consagrados na constituição.
o actual sistema de defesas oficiosas não é demasiado oneroso? concordaria com um corpo de advogados, gerido pelo estado, como nos eua?
eu não defendo a figura do defensor público, por razões que têm que ver com a sua funcionalização, mas não posso rejeitar liminarmente o modelo sem um debate alargado. o actual sistema não só é demasiado oneroso, como não satisfaz o cidadão.