Woody Allen: um turista na Europa [vídeo

Depois de Londres, Barcelona e Paris, o passaporte de Woody Allen ganhou um novo carimbo europeu. Sexo, paparazzi e ópera, assim se pinta a Roma do realizador nova-iorquino.

esteve para se chamar bop decameron, em alusão a il decameron, do autor medieval giovanni boccaccio, de quem levou a ideia de um conjunto com narrativas independentes. depois nero fiddled, referindo-se ao mito de que o imperador nero tocava lira quando roma ardeu. mas acabou por ser o mais acessível para roma, com amor o título escolhido para a última estadia cinematográfica de woody allen na europa (que estreou esta semana nas salas portuguesas). não se sabe se o périplo pelo velho continente ficará por aqui, mas consta que o realizador de 76 anos que passou as últimas sete primaveras de costas voltadas para a américa (por esta lhe negar financiamento), prepara agora um filme em são francisco.

são quatro as vinhetas em simultâneo, sem nunca se intersectarem, que o realizador americano desdobra sobre a capital italiana. todas estas vislumbradas da janela panóptica de um polícia que vive sobre a praça de espanha romana.

dali, o agente da autoridade assiste à fama repentina de um cidadão comum, que um dia é acordado por paparazzi – relembre-se que a palavra nasceu da pena do italiano ennio flaiano e que em 1960 se popularizou através da personagem de um fotógrafo de la dolce vita, de fellini – eufóricos por satisfazer a curiosidade quanto a matérias tão úteis como a sua roupa interior. roberto benigni (premiado com o óscar para melhor actor pelo filme a vida é bela, em 1997), alvo dos flashes da imprensa cor-de-rosa no filme, contou ao los angeles times que na vida real as coisas não são muito diferentes. um dia, uma ambulância com a sirene ligada parou na rua só para que o condutor lhe pedisse uma fotografia e um autógrafo. depois de o pedido ser acedido, despediu-se: «agora vamos levar o doente [para o hospital]».

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outra narrativa é a de um casal americano, phyllis e jerry, de visita a roma para conhecer o namorado italiano da filha. allen, na sua primeira aparição em frente às câmaras desde scoop (2006), veste o papel do pai turista, um produtor de ópera em luta com a sua própria reforma (metáfora do allen realizador?) que descobre no pai do futuro genro uma incrível voz de tenor. acontece que o dom só se revela no chuveiro, o que não será problema para as concepções artísticas pouco conservadoras de jerry.

há outro casal de visita à mesma cidade, mas vindo do interior da itália. são os casados de fresco antonio (alessandro tiberi) e milly (alessandra mastronardi), a quem a metrópole obriga à redescoberta sexual, seja pela mão de uma prostituta (penélope cruz numa recriação de sophia loren em ontem, hoje e amanhã, de de sica), seja pela mão de uma estrela de cinema italiana.

sobra a luta interior de jack (jesse eisenberg, de a rede social), um jovem estudante de arquitectura cuja crescente paixão pela melhor amiga da namorada é verbalizada por outro arquitecto mais velho, o imaginário john (alec baldwin). a tentação é uma actriz americana (ellen page), também ela a fazer turismo temporário em roma, como terapia para um desgosto amoroso.

não é a primeira vez que allen desloca o olhar para itália. já prestara homenagem a fellini com recordações (1980) ou inspirara-se em antonioni para o abc do amor (1972). mas o recente postal que o realizador nova-iorquino desenhou de roma, ao som de ‘volare’ e ‘arrivederci roma’, não pareceu agradar aos romanos. com protagonistas mais americanos que italianos, a crítica italiana chamou o filme «superficial, banal e cheio de estereótipos e disse que lhe faltava a ironia e a sátira mordaz presentes na maioria dos filmes italianos do pós-guerra», segundo a rede americana npr (national public radio). para não falar das vistas panorâmicas e dos quartos de hotel cinco estrelas «com que um romano de classe média pode apenas sonhar». paolo d’agostini, do la repubblica, perguntou mesmo: «conseguem imaginar um polícia sinaleiro romano a viver num apartamento com vista para os passos espanhóis?».

o realizador nova-iorquino diz-se habituado a que a crítica mais dura aos seus filmes europeus, à excepção de meia-noite em paris, venha dos próprios países onde foram rodados. «eu sou um americano, e é assim que vejo barcelona, roma ou inglaterra… se a situação fosse ao contrário, e alguém de um país de fora fizesse um filme aqui, eu também diria: ‘sim, está ok, mas este tipo não entende nova iorque’. eu estaria certo. e tenho a certeza que eles também estão», concluiu.

aisha.rahim@sol.pt