Chávez tem prova de fogo amanhã

Há sondagens sobre as presidenciais de amanhã para todos os gostos. As que dão nova e expressiva vitória a Hugo Chávez até às que elegem Henrique Capriles como o novo chefe de Estado da Venezuela. Mas mais acertado é dizer que a oposição vive por estes dias o seu maior momento de esperança numa década, e…

pela primeira vez, e depois da realização de votações primárias, um universo fratricida de conservadores radicais e democratas moderados apresenta-se a votos sob um mesmo nome. capriles, o porta-estandarte, revela-se mais do que uma mera solução de compromisso, entusiasmando multidões como apenas um outro venezuelano – o seu rival – é capaz de fazer. no último domingo, o candidato da oposição juntou 260.000 pessoas na principal avenida de caracas.

elegante e sorridente, apresentando-se de pólo, ténis e boné, o advogado solteirão tem cativado o eleitorado feminino. descendente de judeus polacos (os bisavós morreram em treblinka), capriles é um católico devoto e descrito pelos seus colaboradores como um trabalhador incansável, mesmo com a riqueza herdada de um império familiar que se estende do imobiliário à comunicação social.

politicamente, capriles diz-se centrista, proclama lula da silva como o seu ídolo político e defende uma conjugação de capitalismo liberal e políticas assistencialistas. observadores externos afirmam que o candidato é inteligente ao não apresentar-se como um homem de direita num país em que o sector conservador está hoje reduzido a uma pequena elite.

no entanto, surgem dúvidas sobre a verdadeira agenda de capriles, que chegou a estar detido quatro meses pelo envolvimento em protestos violentos anti-chávez. a divulgação de um suposto esboço de programa de governo da oposição revela o candidato como um neoliberal apostado em desregular os mercados e cortar nos apoios sociais, aproximando-o mais da direita norte-americana do que da esquerda brasileira. os chavistas agarram-se a este documento e denunciam uma conspiração. a campanha de capriles nega a veracidade do memorando, mas ganha força a ideia de que a venezuela está a poucas horas de escolher entre dois modelos radicalmente diferentes para o seu futuro.

no plano externo, também há duas agendas em confronto. capriles promete reabilitar as relações com os estados unidos, cancelar contratos bilionários de compra de armamento russo e cortar relações com o eixo esquerdista sul-americano e com párias como o irão e a bielorrússia. chávez vem moderando o seu anti-americanismo com declarações de apoio a barack obama, mas diz querer fazer da venezuela uma potência não-alinhada e uma «pátria socialista alternativa ao capitalismo».

chávez resiste

a imprensa internacional vem emitindo sucessivas certidões do óbito político de chávez, mas nada indica uma verdadeira retirada de apoio ao líder. uma imensa camada desfavorecida continua a ver em chávez o responsável pela melhoria das suas condições de vida através da aplicação dos rendimentos do petróleo na saúde, educação e habitação social.

a economia, depois de uma queda abrupta em 2009, iniciou a recuperação, crescendo 5,6% no primeiro semestre do ano, e o país conta com as maiores reservas petrolíferas do planeta e longas décadas de exploração pela frente. e poucos desejam um regresso ao passado, com as memórias da crise económica, política e social dos anos 90 ainda frescas. o próprio capriles considera chávez o resultado natural do «colapso» de um anterior sistema bipartidário fortemente descredibilizado.

é a criminalidade que se torna numa dor de cabeça para o socialista. a taxa de homicídios quadruplicou desde a sua chegada ao poder e o flagelo atinge todas as classes. em setembro, três apoiantes de capriles foram mortos durante uma acção de campanha.

para o eleitorado moderado, é também o clima de eterna campanha que desgasta o apoio a chávez, que durante o verão discursou uma média de 30 minutos por dia, em emissão televisiva especial, sabotando diversas vezes a cobertura noticiosa da campanha de capriles. mas apesar da extensa utilização de meios do estado, com a entrega de casas transformada em acções partidárias, os observadores internacionais recusam colocar em causa o processo eleitoral. o ex-presidente norte-americano jimmy carter, dirigente de um dos organismos, considerou a campanha «livre» e descreveu o sistema venezuelano de voto electrónico como «o melhor do mundo».

o tabu da saúde

por fim, surge outra variável que os venezuelanos em ambos os lados do espectro político preferem manter afastada do discurso público. chávez continua a lutar contra um cancro de gravidade desconhecida. apesar de ter recuperado o cabelo, a cor e o peso, a sua debilidade traduz-se numa agenda diminuta para os padrões do one-man-show. passam-se dias sem que chávez apareça em público e terminaram os discursos de horas intercalados por cantorias.

mas também não há certezas sobre o efeito desse factor nas intenções de voto dos venezuelanos. se alguns analistas prevêem um efeito de simpatia, outros apontam o receio de votar inadvertidamente num sucessor desconhecido de chávez.

pedro.guerreiro@sol.pt