demasiado caro por um lado. acessível mas pouco eficiente por outro. às voltas com a escolha de um computador de preço razoável e bom desempenho, rosana rocha, de 33 anos, acabou agarrada a um vídeo. «fui dar a um canal dentro do youtube em que um homem descrevia, componente a componente, todas as ligações».
guiada por um sentido de orientação desbravado à própria imagem – «sou uma pessoa de acção: quando quero uma coisa gosto de me desenrascar» –, a professora de português e inglês só parou depois de montar a última peça. «segui as indicações e até hoje funciona tudo lindamente».
do cruzamento dos primeiros fios à instalação da torre, num encadear de dispositivos recomendados por um amigo com veia informática, rosana não só aguçou um engenho desconhecido como reajustou necessidades ao ritmo dos chamados tutoriais. resumidamente: canais de instruções para, em poucos minutos, aprender a fazer tudo. «dá mesmo para qualquer coisa. no caso do computador fui à procura de uma alternativa ao mercado, mas depois a utilização extravasou para coisas mais básicas».
legião de seguidores por email
uma bainha serve de exemplo. «lembro-me que a determinada altura, numa daquelas lojas de costura, estavam a cobrar-me tanto por um arranjo quanto por umas calças que tinha comprado nos saldos. não fazia sentido, por isso decidi: vou à net ver se encontro quem me ensine».
a aventura autodidacta, inaugurada há quatro anos pelos atalhos de hardware, converteu-se já em largos euros de poupança – «tenho de fazer bainhas a tudo o que compro» –, entretanto alargados à factura de cabeleireiro. «cortei a franja toda para a frente, depois escolhi pôr de lado… fui vendo o que havia porque é tudo uma questão de pesquisa», aponta a ‘youtuber’, sempre de antena sintonizada nas novidades tutoriais. «para se ter uma medida do fenómeno, há pessoas com tantos vídeos que se tornou possível subscrevê-los por email».
o culto dos autores-tutores, capaz de mobilizar legiões de internautas, mantém mais de dois milhões de assinantes na lista de destinatários da instrutora de beleza michelle phan (ver caixa). com cerca de 640 milhões de visualizações em quase 1.100 partilhas no youtube, a norte-americana é, aos 25 anos, uma recordista mundial dos também chamados ‘how to do videos’. em português: os vídeos sobre como fazer.
das cenas engraçadas para as cenas didácticas
«não faltam opções, mas são quase todos em inglês», avisa a professora de educação tecnológica filipa farropo, à falta de colocação para dar aulas, entretida com as aprendizagens online. «comecei por sentir necessidade de ter alguma coisa que me ocupasse. depois, como já tinha a ideia de criar um blogue, entrei por aí, e à medida que me fui apaixonando por esse mundo acabei por perceber coisas mais específicas».
primeiro empenhada na escrita dos próprios posts, de seguida embrenhada na leitura de outros blogues, às tantas, filipa, de 32 anos, deparou-se com um novo mundo de desafios. «estava habituada a ir ao youtube para ver situações engraçadas e, de repente, através de uma bloguer que está em inglaterra, descobri uma vertente didáctica».
inspirada pelo testemunho de uma desconhecida – que escrevia sobre a experiência das lições do site de partilha de vídeos – a professora decidiu deitar mãos a um antigo projecto. «meti na cabeça que iria aprender croché».
o objectivo, adiado desde sempre, acabou superado vídeo a vídeo com muito sotaque à mistura. «agora que finalmente sei fazer, vou ao google pesquisar pontos específicos mas só conheço os nomes em inglês. até costumo dizer que é uma coisa chique». mais do que isso, a novidade, devidamente postada na blogosfera com as fotografias de um gorro e de um cachecol em croché, contornou um mar de impossibilidades. «a minha mãe e a minha avó diziam que não me conseguiam ensinar porque sou canhota, mas bastou-me uma pesquisa para encontrar tutoriais adaptados à utilização das duas mãos».
agora, depois de vários meses de acertos com as agulhas, filipa desdobra os cliques para interesses mais fugazes. «procuro vídeos ligados à área do bem-estar pessoal», diz, num assumido esforço de abreviar a diversidade de instruções já afloradas. «é muito engraçado porque se entra numa lógica de aquisição de conhecimentos», considera, volta e meia à caça de truques que elevam a cosmética a uma das maiores atracções na montra de tutoriais.
instruções com garantia de especialistas
«há dicas para todos os gostos e ocasiões», introduz a maquilhadora su ferreira, uma das assinaturas por detrás dos ainda tímidos vídeos de instruções à portuguesa.
autora de mais de 120 apresentações sobre os looks da moda – onde se incluem conselhos sobre ferros para alisar o cabelo e um visual inspirado na estrela da tv norte-americana kim kardashian –, su afirma-se hoje como porta-voz das tendências de que ontem era apenas espectadora. «quando me comecei a virar para esta área, antes sequer de imaginar que poderia ser profissional, também andei pelo youtube à procura de dicas».
o processo de pesquisa dinamiza-se sobretudo pelos conselhos regulares de um batalhão de especialistas, organizados por canais interdisciplinares e temáticos.
no esteticamente alinhado fawn-for all women’s network, por exemplo, a moda, os cabelos e as pinturas ditam as preferências, enquanto no mais abrangente videojug cerca de 60 mil vídeos dão coordenadas em áreas tão diversas quanto o bricolage, os gadgets e a dança. sob o lema «de bem com a vida», este grupo organizado de tutoriais – com existência além do youtube em videojug.com – oferece receitas de culinária, truques de magia e até conselhos sobre relações.
tudo sem um segundo de desvio da estratégia que se replica a cada guia de instruções: um passo a passo minucioso, descrito como garantia de um eureca final.
mas, lembra rosana rocha, antes de se pôr em marcha qualquer movimento, «convém verificar se o tutorial é de confiança». para começar, o número de partilhas do autor e a quantidade de seguidores ajudam a afastar suspeitas, acrescenta ricardo matos, rápido em arrumar interrogações.
«também não custa nada ler os comentários. isto se houver riscos associados, como estragar um computador ou um leitor de mp3. se for para uma coisa mais simples não me dou a tanto trabalho».
recém-convertido aos tutoriais, o jurista de 31 anos descobriu o que diz ser «a pólvora dos vídeos» graças ao fim da última relação. «a minha ex-namorada fazia nós de gravata na perfeição, por isso só me preocupei quando acabámos e tive de ir a correr para o google». três palavras de pesquisa depois – «fazer + nó + gravata» – a rede encaminhou ricardo para «um monte de demonstrações», etapa a etapa apresentadas. «cliquei num vídeo ao calhas e ao fim de uns minutos despachei o assunto. agora não há problema que me ache incapaz de resolver».
de desajeitado a faz-tudo, a metamorfose do jurista já passou pelo arranjo do visor de um iphone e por um desatar de soluções à medida dos tempos livres. «descobri truques para passar de nível em jogos da playstation, consegui resolver o cubo mágico e agora estou a ver se me safo a construir uma antena wi-fi, daquelas que dão para apanhar internet sem fios».
no final das ligações, mais do que alargar as vias de acesso aos canais de instruções, ricardo promete lançar-se a novos projectos, que confirmam a vocação utilitária das partilhas videográficas. «talvez monte uma bicicleta», planifica o jurista, com o entusiasmo de quem encontrou no youtube uma ferramenta para toda a obra.
paula.cardoso@sol.pt