Colômbia nas bocas do mundo

Ontem narco-estado sem esperança, trucidado às mãos do barão da droga Pablo Escobar e das FARC, hoje nação de futuro celebrizada por um punhado de estrelas internacionais. Do pesadelo ao sonho, a marca made in Colômbia valoriza-se em milhares de milhões de euros.

os excessos correram mundo, amplificados por alertas de segurança: em troca de uma noite de sexo com uma vintena de prostitutas colombianas, os homens do corpo de defesa pessoal do presidente dos eua descuraram a vigilância de barack obama. «mas não era suposto?», parodiou o humorista jimmy kimmel. «a sofía [vergara] é da colômbia e se as mulheres lá têm este aspecto, o que queriam que os serviços secretos fizessem?».

por detrás da tirada cómica, inspirada no escândalo que tumultuou a última cimeira das américas, esconde-se um galanteio ou dissimula-se uma visão estereotipada da mulher latina?

embaixadores poderosos contra estereótipos

em vez de desfraldar polémicas, a actriz mais sexy da televisão norte-americana – segundo eleição anunciada esta semana pela revista people – prefere hastear a bandeira do orgulho nacional. «a imprensa adora controvérsia e generalizações, mas acredito que o incidente dos serviços secretos [em cartagena das índias] não vai afectar a imagem das nossas mulheres nem a boa percepção que o mundo tem do país», defende sofía, rápida em nomear um punhado de «embaixadores poderosos» ao serviço do prestígio de bogotá. «a colômbia é sinónimo de juanes, shakira, juan pablo montoya, silvia techerassi [designer de moda], esmeraldas, café».

o ponto final encerra uma declaração da actriz ao huffington post, mas está longe de fechar o elenco de personalidades internacionais que desviam a identidade do antigo narco-estado da figura de pablo escobar. antes ‘patrão do mal’ acusado de milhares de execuções, agora inspiração da marca de moda escobar henao, lançada este ano pelo próprio herdeiro, juan pablo escobar henao.

a glamourização do legado sanguinário do barão da droga, que o filho recorda na colecção ‘poder, poder’, assume a forma de t-shirts que exibem documentos históricos. mas, garante o hoje rebaptizado sebastían marroquín, o objectivo da marca não é a homenagem e sim a autocrítica. «é um convite aos jovens para tomarem consciência dos perigos de entrarem no mundo das drogas», apresentou o designer e arquitecto, sem esquecer «o dano irreparável» que o pai provocou à sociedade colombiana.

«durante décadas estivemos classificados como um estado não viável porque éramos campeões em sequestros, tráfico de droga, homicídios e violações dos direitos humanos. mas temos vindo a mudar essa realidade de uma forma que ninguém conseguiria imaginar».

o retrato nacional – aqui projectado pelo presidente juan manuel santos em entrevista à time – renova-se sob indicadores consolidados de crescimento económico (5% anuais), reforçados pelo estrangulamento das farc, hoje reduzidas a 8.000 guerrilheiros, um terço da força anterior.

shakira ou sofía, a disputa continua

de dentro para fora, a viragem de rumo contabiliza-se pelas fortunas dos cada vez mais milionários talentos made in colômbia. sofía vergara, para começar, arrecadou 19 milhões de dólares no ano passado, destronando kim kardashian do primeiro lugar na lista de personalidades mais bem remuneradas da tv norte-americana.

ao fulgor financeiro da estrela-maior do pequeno ecrã juntam-se fortes ‘activos’ de popularidade: a actriz foi eleita a mulher mais desejada do ano pela publicação masculina askmen, ao mesmo tempo que parece beneficiar de um lugar cativo nos tardios programas de entrevistas dos eua. «o que posso dizer? os americanos receberam-me de braços abertos e de calças para baixo», brincou a latina, numa despojada aparição no saturday night live.

sem complexos em assumir que a atraente figura lhe abriu as portas de hollywood, a actriz surge ao lado da conterrânea e não menos vistosa shakira na disputa por uma coroa virtual: a da colombiana ‘más caliente’ do mercado.

«qual delas prefere?». a pergunta arrasta-se desde o boom de vergara na série uma família muito moderna, estreada em 2009, e chegou mesmo a ganhar expressão percentual através do site de celebridades tmz. com perto de 140 mil cliques de participação, num inquérito decidido à base de curvas, 54% elevaram vergara a rainha. mas, retomou o huffington post, qual das ‘s’ originárias de barranquilla desfila o melhor traseiro da indústria do entretenimento?

à falta de uma votação, a publicação ficou-se pelos currículos de ambas. primeiro shakira: «a maioria das pessoas não sabe, mas no início da carreira, a cantora venceu o miss colita, concurso colombiano que distingue o melhor rabo do país». depois sofía: a actriz saiu do anonimato para a fama de biquíni, ou, contando de outro modo, foi ‘caçada’ na praia para dar o corpo a uma campanha publicitária.

atributos bem esgrimidos, em matéria de exposição mediática a dupla demarca-se de uma mais discreta maioria de famosos colombianos, tradicionalmente representada pelo nobel da literatura gabriel garcía márquez e pelo escultor fernando botero. ilustres da velha guarda de bogotá, onde se inclui ainda o médico patologista manuel elkin patarroyo, os outrora ‘solitários’ da imagem exterior do país contam agora com um reforço de peso: radamel falcao.

um falcão do outro mundo

astro maior do desporto colombiano – durante anos mediatizado pela passagem de juan pablo montoya pela f1 – falcao deu o pontapé que faltava para promover as cores nacionais.

protagonista da «melhor contratação do século xxi», segundo avaliação do espanhol marca, o valor da cláusula de rescisão do avançado do atlético de madrid quase duplicou o montante da transferência: de 40 para 72 milhões de euros. ou, dizem as tradicionalmente inflacionadas contas de apreciação paterna: «agora falcao deve valer uns 90 ou 100 milhões».

os cálculos de radamel falcao, o pai, partilhados com o jornal colombiano mío, devolvem o agora da narrativa ao rescaldo da final da supertaça europeia, disputada no final de agosto entre os ingleses do chelsea e os espanhóis do atlético de madrid.

com uma partida «do outro mundo», para usarmos a análise que encheu as manchetes desportivas do passado 1 de setembro, o camisola nove dos madrilenos assinalou três golos e fez a assistência para o 1-4 final que carimbou a vitória dos espanhóis. a próxima jogada, adivinham os ‘gurus’ do futebol, cruza o destino do colombiano com as excentricidades do campeonato da rússia, popularizado pelo valor astronómico das contratações.

porém, até notícia em contrário, é a partir do balneário de um não-grande da liga espanhola que o talento de falcao ganha mundo e rasga fronteiras tradicionalmente reservadas a colombianos da música.

como juanes, uma espécie de versão masculina do sucesso de shakira. autor dos hits ‘la camisa negra’ e ‘para tu amor’, o cantor soma já 18 prémios grammy – dos quais 17 de música latina – e mais de 15 milhões de discos vendidos em todo o mundo._melhor marca além-fronteiras só mesmo para a voz do hino do mundial da áfrica de sul de 2010, responsável por mais de 50 milhões de álbuns vendidos e, tal como juanes, rosto de várias acções sociais na colômbia. país onde, assinala esta embaixadora da boa vontade das nações unidas, «se sonha com um destino de progresso, prosperidade e paz».

mais do que isso, acrescenta o presidente juan manuel santos, a colômbia é terra plena de potencialidades.

«o que sei é que quando se pergunta às populações dos eua, da europa e do japão se acreditam num futuro melhor para os filhos a resposta é não. pelo contrário, aqui diz-se sim». da convicção do chefe de estado, divulgada na time, à confirmação da gravidez da cantora, reproduzida à exaustão na imprensa internacional, não falta já quem faça campanha pela melhor nacionalidade do herdeiro. com vantagem da colômbia da mãe shakira sobre a espanha do pai piqué, jogador do barcelona.

paula.cardoso@sol.pt