EUA: Presidente por telemóvel

Chamam-lhe ‘o novo canivete suíço’ e é o melhor amigo dos voluntários que estão nos bastidores a apoiar os candidatos à Casa Branca. A revolução dos smartphones chegou à campanha das presidenciais americanas: através deles pode-se angariar fundos ou descobrir a que portas bater para convencer os eleitores. Só ainda não servem para votar.

quando michael schorer, jornalista da revista time, chegou à pequena sede de campanha de barack obama, olhou à volta e sentiu-se de volta a uma sala de aulas. viu um quadro, com folhas de papel, várias secretárias e duas dezenas de miúdos sentados. e só quando o líder do grupo se sentou ao seu lado é que percebeu que se estava a viver uma nova era.

«isto é que é realmente fixe», disse-lhe ian redman, o rapaz de 19 anos, mostrando-lhe que cada um naquela sala estava a trabalhar agarrado ao seu smartphone. «é um verdadeiro canivete suíço!».

o jornalista contou esta história quando a direcção da campanha do presidente americano lançou a sua nova aplicação para telemóveis, que verdadeiramente transformou a maneira como as campanhas americanas funcionam. desde então, em julho, cada uma das pequenas salas de voluntários espalhadas pelos 51 estados da américa é gerida com esse pequeno instrumento – tão poderoso que poucas semanas depois aparecia nas páginas do washington post uma notícia que falava de como ele invadiu a vida privada de milhões de americanos.

voltemos a uma sede de candidatura democrata, o local onde voluntários e jovens contratados (pagos a 12 dólares a hora, como num distrito mesmo ao lado do centro de washington d.c.) se multiplicam em contactos para pedir apoio para obama.

o guia do voluntário

como ian redman, cada um tem na nova aplicação um manual para saber o que fazer em cada rua ou em cada telefonema. uma vez aberta, a primeira opção é o registo de eleitores. nos estados unidos esse registo não é obrigatório e há estados em que se pode ir votar sem se estar registado. claro está que quem faz campanha pelos democratas só vai registar quem vote em obama.

segunda tecla: ajudar a financiar a campanha. pela primeira vez isso é possível com um simples sms. também é possível fazê-lo através do site da candidatura – onde o sistema foi facilitado. basta dar o número do cartão de crédito uma vez, e este fica memorizado. à segunda contribuição basta um clique.

mas o melhor deste canivete suíço é o que se segue. imagine isto: um voluntário toca no ecrã do telefone e entra directamente no mapa da sua zona de residência. e cada rua tem sinalizadas várias bandeiras. as azuis, por exemplo, localizam as portas a que a campanha quer que se toque.

assim que a campainha toca e a porta se abre, o voluntário carrega noutro ponto do ecrã e descobre um questionário para fazer ao homem que tem à sua frente. «é republicano ou democrata? quer registar-se? aceita contribuir?». cada resposta é escrita no telefone e entra directamente na base de dados do partido. essa pessoa não voltará a ser contactada, por exemplo, se disser que vai votar em mitt romney, o candidato republicano.

o homem que está a desafiar obama – num empate técnico que está a enlouquecer os comentadores nos eua – também não ficou para trás na nova batalha das tecnologias.

em washington conta-se uma história acerca de um concerto de rock em chicago, com os red hot chilly peppers. uma tempestade estava a aproximar-se e à medida que os mais novos pegavam nos telemóveis para perceber se a chuva ia cair no parque onde o concerto se realizava, um anúncio aparecia no topo do ecrã. «obama falhou. nós podemos fazer melhor». a publicidade só apareceu naquele local, era totalmente dirigida.

romney, aliás, também criou uma base de dados, embora menos profissional do que a dos democratas. estendeu-a com uma promessa: os seus apoiantes seriam os primeiros a saber quem era o seu vice-presidente. os media anteciparam-se, mas o republicano encheu o seu site com os mails, moradas e números de telefone de apoiantes, que agora são bombardeados com informação diária, inclusivamente pedindo dinheiro para a recta final.

segundo uma notícia da revista campaigns and elections, 10% desse financiamento foi feito por sms. melhor ainda, 13% dos americanos deram dinheiro a um dos candidatos, metade deles por computador ou telefone.

as redes diabólicas

o que indiscutivelmente também mudou nesta campanha foi o uso das redes sociais – e isso também por causa dos telemóveis, quase todos ligados já à internet. um estudo do pew reserch center, um dos mais prestigiados de washington, publicado na semana passada, mostra porquê: é que um quarto dos americanos acompanhou esta campanha pela internet, seja pelos sites dos jornais e revistas, seja pelo facebook e twitter.

obama e romney têm equipas especificamente dedicadas a fazer essa ligação. num outro estudo da mesma organização, os resultados ficaram mais claros. em apenas duas semanas de análise, os democratas colocaram 27 mensagens no facebook, 404 no twitter, 21 vídeos no youtube e 106 ‘notícias’ no site da candidatura.

a vantagem? passar por cima dos media tradicionais e deixar a mensagem directamente nos eleitores potenciais, como fez o próprio presidente quando, em janeiro, usou o google hangout, uma maneira de falar em vídeo-conferência pela internet com um grupo de pessoas, para responder online a cinco americanos comuns.

mas há mais. no meio do segundo debate presidencial televisivo, a directora-adjunta da campanha de obama entrou no seu twitter, seguido pelos mais influentes jornalistas americanos, e disparou comentários: «não acharam óptima a reposta do presidente?». entre os jornalistas houve já quem se queixasse: «quem me dera que os assessores de romney e obama se calassem por 90 minutos», disparou stu rothemberg, que tem um dos mais prestigiados blogues independentes do país.

mas a campanha nas redes sociais não é exactamente igual à que se vê nos sites dos jornais. «é mais pela crítica, pela negativa», resume aaron smith, investigador do pew research. a revista time da semana passada dedicou uma reportagem ao tema, concluindo que muitos estão a ‘desamigar’ pessoas no facebook, depois de terem descoberto que elas estão no lado oposto da campanha e já não suportam ler mais o que estas escrevem.

a velocidade a que as frases mais caricatas da campanha se espalham nas redes sociais – como o humor falhado de romney sobre abrir as janelas de um avião – fez com que os media da capital americana se refiram a este fenómeno como os novos cartoons, por cristalizarem uma imagem sem dó nem piedade. foi aí que a derrota de obama no primeiro debate com romney se tornou um dado irreversível, do ponto de vista da opinião pública.

uma nova página da história

agora que a campanha se aproxima furiosamente do final, são também estas novas tecnologias que dirigem as duas campanhas. como as sondagens mostram que tudo se vai decidir em sete estados, é aí que os voluntários fazem um esforço final para convencer as pessoas a ir votar no homem que preferem para a casa branca. de telemóvel na mão é mais fácil saber com quem ainda não se falou, a quem ainda se pode pedir dinheiro. com os comentários nas redes sociais também é mais fácil perceber o que ainda querem saber os indecisos.

no final, porém, conta quem vota. é verdade que votar no telemóvel ainda não é possível, mas não há quem não espere pelo dia 6 para abrir uma nova página na história americana. se roosevelt foi o primeiro presidente eleito pela rádio e j.f. kennedy o primeiro eleito pela televisão, quem vai ser o primeiro eleito pelo telemóvel?

david.dinis@sol.pt 
* o jornalista viajou ao abrigo do programa rodrigues miguéis, da flad