Árbitros lusos nas eleições americanas

Muitos portugueses gostariam de votar nas eleições americanas de hoje. Mas poucos sabem que este jogo, uma espécie de final da Liga dos Campeões das democracias ocidentais, tem um árbitro português.

é um deputado, ex-autarca, ex-candidato a líder do ps. mas nem a responsabilidade do dia d, nem o facto de o empate americano persistir até ao fim o faz temer horas difíceis como aquelas em que george w. bush venceu, numa longa e polémica recontagem de votos, o democrata al gore – no ido ano 2000.

quando joão soares chegou ontem à tarde ao hotel, no centro de washington, tinha uma uma só preocupação: fumar um cigarro. «é terrível fumar aqui!», dizia o agora chefe de missão da osce para a fiscalização do processo eleitoral americano, acabado de regressar de um dos últimos comícios de mitt romney.

a seu lado no autocarro vinha o também deputado, também português, também enviado da osce (organização para a segurança e cooperação na europa) adão silva. para o social-democrata, porém, esta é uma estreia. «um europeu que chegue aqui vê este sistema eleitoral como um labirinto». «é um choque, um murro no estômago», acrescenta joão soares, que já vai na sua terceira eleição americana em quatro anos. «são 50 sistemas eleitorais diferentes, às vezes as regras mudam até nos condados. nuns estados vota-se com máquinas electrónicas, noutros é com um papel. até a maneira como os eleitores são registados é diferente».

já agora: até o método para eleger o presidente é diferente do que temos em portugal. não ganha quem tem mais votos, são eleitos grandes eleitores, estado a estado, que depois designam o presidente. «e se os eleitos para colégio eleitoral não forem fiéis [ao partido] e votarem no outro?», imagina o socialista. «essa seria a pergunta que um latino faria», interrompe adão silva, soltando um riso para a mesa.

a missão

no bar do hotel, entretanto, as cadeiras escasseiam para os outros delegados da ocde que vieram para fiscalizar a campanha, vindos de vários países da europa. o ambiente é distendido. todos falam inglês, com mais ou menos pronúncia.

não se sente a menor preocupação, nem depois das muitas notícias que dão por garantida uma longa noite na contagem de votos, ou que mostram democratas e republicanos prontos para contestar nos tribunais uma vantagem que seja curta.

joão soares desvaloriza. «ninguém nos falou disso». adão silva acrescenta que no labirinto eleitoral «os americanos têm um elevado nível de confiança. no sistema e uns nos outros». o fantasma de al gore vai longe, portanto.

para quem, como estes deputados, anda pelo mundo a fazer de árbitro de eleições, a américa não tem como assustar. «em países como a bielorrússia, às 11 horas já nos dizem o resultado que só sai às 19 horas. aqui, a campanha é de grande intensidade, mas o dia seguinte é de serenidade», diz soares. está pronto para o dia após as eleições, quando as equipas espalhadas pelos estados enviarem os relatórios de campo em que dirão se tudo aconteceu, como se espera, de acordo com as regras. sobretudo nos estados que se mantiveram empatados até ao fim.

e que tal a campanha?

em washington desde quinta-feira, os dois portugueses andaram já pela estrada, algures na virginia, a ver e ouvir os dois candidatos. a pergunta ao estreante impunha-se: impressionado?

«obama é um mestre de comunicação», admite o social-democrata. «a coreografia é poderosa. tem bill clinton ao lado, que deu oito anos de glória à américa. tem uma empatia que passa», descreve adão silva. no fim do mandato, joão soares já não se espanta com o presidente: «mesmo a coreografia é mais pobre do que se possa pensar. achei-o pior do que há quatro anos, parecia que estava a ler o teleponto». já romney, merece nota fraca dos dois. «não é um grande comunicador», anota adão silva.

o que ainda espanta, porém, é a mobilização dos americanos para a campanha. «fazem contacto porta a porta, telefonemas, tudo até ao último minuto. amanhã (hoje) vão estar a convencer as pessoas nos locais de voto! é muito diferente do que se passa em portugal», acrescenta soares.

e o dinheiro? «cinco mil milhões!», exclama adão silva, um especialista em matérias de saúde. «é dois terços do orçamento do sns português num ano». parte dessas contribuições, de empresas e de cidadãos, seguiram directas para campanhas de publicidade na televisões. são horas e horas, até ao último minuto – sem limitações de qualquer espécie. «é muito impressionante para mim, sobretudo a publicidade negativa, a denegrir um ou outro candidato. mas o sistema funciona», concede o socialista.

quanto a previsões, os árbitros não se pronunciam… muito. o socialista ainda há dias dizia no facebook que todos sabem para onde pende o seu coração. ontem afirmava só, a título informativo, que um dos seus amigos democratas se mostrava «muito sereno, mais do que há quatro anos».

adão silva fala do furacão, o sandy, para explicar que talvez o fenómeno tenha ajudado o presidente. «ou talvez não, tendo em conta a quantidade de pessoas que estão, nas zonas afectadas, sem casa e à procura de comida». um dos especialistas que deram palestras aos deputados da ocde falou nisso e deixou o português como estão hoje os americanos: na expectativa. a noite dirá quem vence. mesmo que seja longa.

david.dinis@sol.pt
* em washington, ao abrigo do programa rodrigues miguéis, da flad.