Catalães ilustres divididos entre autonomia e independência

Guardiola, Carreras, Adriá ou os irmãos Gasol. Habituamo-nos a vê-los como espanhóis, mas também são catalães. No dia de uma eleição regional decisiva que pode abrir caminho para um referendo à independência, registamos de que lado estão alguns dos nossos mais ilustres vizinhos

é a primeira pergunta dos fãs do futebol. se a catalunha for independente, o barcelona deixa de jogar na liga espanhola? não, garante o presidente do clube sandro rosell. «podem estar descansados que numa catalunha independente continuaria a haver um barça-real», disse dias depois de ter estado numa manifestação pró-independência, em setembro. os blaugranos poderiam continuar a jogar em espanha gozando do mesmo estatuto de excepção que permite às equipas de andorra disputar torneios no país vizinho, ou através da refiliação do barça na federação espanhola de futebol. de resto, é o que acontece com o mónaco em frança.

o pormenor ganha especial interesse pelo facto de o barcelona ser não só um símbolo catalão como a morada de nomes destacados do independentismo. joan laporta, ex-presidente do clube, foi militante de um partido secessionista e fundou em 2010 o movimento solidariedade catalã para a independência, que elegeu três deputados para o parlamento autonómico. afastou-se entretanto do partido, mas continua a ser um catalonista. pep guardiola, o ex-treinador do barça que dava conferências de imprensa em catalão, não surpreendeu ninguém quando na última diada (feriado catalão) enviou a seguinte mensagem a partir de nova iorque: «aqui têm mais um voto a favor da independência». bojan krkic, avançado de raízes sérvias entretanto emprestado pelo barcelona ao ac milan, também apoia a causa.

e foi após um barça-madrid, em 2010, que o tenor josé carreras – ou melhor, josep carreras – causou polémica ao aparecer atrás de um jornalista em directo a gritar «visca catalunya lliure» (viva a catalunha livre). este ano voltou a declara-se «independentista» e um «grande patriota catalão».
mas também há barcelonistas no outro lado da barricada. gerard piqué, apesar de ter sido apontado ao longo dos tempos como um acérrimo nacionalista catalão, disse recentemente crer que «a independência tornará espanha e catalunha mais fracas». os irmãos da nba pau e marc gasol estão contra a separação. «espanha é a minha pátria, o meu bairro, a minha escola, a minha infância», disse pau em janeiro.

na música, a soprano montserrat caballé faz campanha por espanha apesar de ser uma grande defensora do uso do idioma regional no canto lírico.
outro catalão espanholista é dani pedrosa, piloto de motogp.

josé manuel lara, o presidente do grupo planeta (por cá mais conhecido pelas colecções planeta deagostini e altaya), não só é contra a secessão como já avisou o líder do governo autonómico artur mas que irá transferir a sua empresa para madrid no caso de uma declaração de independência.

há também os que votariam ‘nim’ num referendo, ou que optam por não revelar a sua opinião. voltando ao balneário do barça, encontramos silêncio em carles puyol e xavi hernández, ídolos catalães que se fecham em copas perante as perguntas dos jornalistas.

o chef ferran adrià, fundador do mítico e extinto restaurante el bulli, tem tentado evitar ser identificado com qualquer causa, mas uma das suas declarações mais recentes indicia um apoio ao status quo: «hoje podemos andar na rua e falar castelhano ou catalão que não há problema nenhum».

de egrégios catalães entretanto partidos torna-se mais difícil falar. diz-se que antoni gaudí, autor de alguns dos mais icónicos edifícios e recantos de barcelona, era um independentista. miró, nascido nas baleares, pintou com entusiasmo a bandeira catalã, mas o significado político dessa predilecção é motivo de aceso debate 29 anos após a sua morte. de salvador dali só se conhece a sua declaração da independência da imaginação e dos direitos do homem à sua própria loucura.

espanha
com madrid

entre os espanhóis – ou melhor, os restantes espanhóis – ganha a causa centralista. o rei juan carlos defendeu na internet que na actual situação económica «o pior que podemos fazer é dividir esforços, atiçar divisões, perseguir quimeras e aprofundar feridas».
o chefe de governo conservador mariano rajoy, tal como o antecessor socialista zapatero e a referência da direita aznar, defende a unidade espanhola e a inconstitucionalidade de um eventual referendo catalão. isto porque é também essa a posição dos dois principais partidos espanhóis, o pp e psoe.

no campo não político, manuel castells, ilustre sociólogo, defende uma catalunha soberana. já o filósofo fernando savater é contra, afirmando que se o argumento histórico fosse válido, «então éramos todos romanos».

no mundo das artes, pedro almodóvar subscreveu um manifesto em defesa de uma solução federal. javier bardem, militante da causa independentista sarauí, não devota a mesma solidariedade aos catalães.
no desporto, iniesta, que nasceu em castela, alinha pelo barcelona e deu um campeonato do mundo a espanha, tem o coração dividido: «sou espanhol, mas também me sinto catalão».

o ás do ténis rafael nadal, que nasceu nas baleares e assume sentir-se «muito próximo» da catalunha, disse recentemente à cnn que não gosta de imaginar competir na taça davis contra alguns dos seus melhores amigos. «não sou ninguém para dizer como é que as coisas devem ser, mas sempre olhei para a catalunha como uma parte de espanha e seria estranho que fosse de outra maneira», disse o tenista.

pedro.guerreiro@sol.pt