a campanha para as eleições da comunidade autónoma da catalunha foi subindo de temperatura, ao ponto de chegar a um momento febril. artur mas, o president da generalitat (governo regional), foi alvo de acusações graves, que envolviam contas na suíça e desvio de dinheiros públicos do palau de la música, emblemática casa de espectáculos. mas respondeu à letra, retrucando que as insinuações, publicadas pelo el mundo, tinham origem nas «latrinas do estado».
este domingo joga-se o futuro da catalunha – e de espanha. as eleições antecipadas são vistas como um plebiscito ao processo de independência daquela região. artur mas cavalgou a onda de contestação a madrid que tomou as ruas no dia 11 de setembro (o dia nacional da catalunha, diada) e subiu o tom, exigindo um pacto fiscal com o governo de mariano rajoy. para os nacionalistas catalães, o modelo autonómico em vigor não serve, uma vez que a catalunha é contribuinte líquida para o estado central mas ao mesmo tempo está com os cofres vazios – teve inclusive de pedir um humilhante empréstimo a mariano rajoy para pode pagar salários dos funcionários. perante a recusa do chefe do governo espanhol, mas dissolveu o parlamento e convocou eleições antecipadas.
com as posições extremadas, artur mas e a sua convergència i unió (ciu)_querem lançar as bases para a construção de um estado independente. para já o objectivo é obter «uma maioria excepcional» no parlamento catalão para depois poder avançar com um referendo. a maioria absoluta, a fazer fé nas sondagens, não será uma realidade, uma vez que outras formações nacionalistas estão também a ganhar terreno. prevê-se que a ciu obtenha 62 a 64 lugares dos 135 assentos no parlament, a que se juntarão 14 a 18 da esquerra republicana de catalunya e até dois deputados da candidatura de unitat popular (ambos de esquerda, que ganham intenções de voto como a ‘outra’ esquerda, a icv, à conta da austeridade imposta pela ciu, de centro-direita). não será difícil, neste cenário, convocar um referendo. a primeira coisa que mas irá fazer após ser eleito é convocar uma reunião com todos os partidos catalães para tratar da consulta popular. «o processo começará em janeiro de 2013. sem perder tempo», afirmou à rádio cadena ser. e se há duas semanas dizia que num período máximo de quatro anos o referendo será realizado, nesta já afirmou que «não poderão destruir o presidente seguinte porque ele já não dependerá de espanha».
outra prova do calor da disputa política deu-se na segunda-feira na assembleia-geral do real club espanyol, que ao contrário do rival barcelona é pró-madrid. a meio de uma controversa reunião magna em que se discutia o novo modelo de gestão do clube e se elegia um novo presidente, um dos oradores empunhou uma bandeira estrelada (pró-independência), mas com as cores do espanyol, azul e branco. o associado, claramente em minoria, acabou por ser agredido, entre impropérios.
na luta eleitoral, referência ainda para a acesa troca de palavras entre mariano rajoy e artur mas – como se ambos concorressem à chefia da comunidade catalã. mas tenta capitalizar as acusações de que ele e o anterior líder, jordi pujol, foram alvo sobre o alegado esquema de desvio de dinheiros, ao apresentar queixa na justiça (delito eleitoral) e ao dizer-se vítima de «fabricação de calúnias». já rajoy diz que as eleições antecipadas «só serviram para criar divisões e problemas e para atrasar o trabalho de luta contra a crise». em resumo: mas convocou uma ida às urnas para resguardar a sua imagem da crise e o seu projecto faz «um dano enorme» à imagem de espanha. e para que não restem dúvidas, o galego que governa o país declarou na terça-feira que estas eleições «são mais importantes que as gerais» e que «ninguém vai separar a catalunha da espanha».
o certo é que este duelo está a trazer ganhos eleitorais ao partido popular, que poderá obter um resultado histórico ao alcançar o segundo lugar. porém, a candidata alicia sánchez-camacho sofre a concorrência de um partido regional – ciutadans – na mesma área ideológica.
quem está em queda livre são os socialistas. com um discurso mais moderado numa campanha polarizada (aventam a possibilidade de uma solução federal, criando um estado dentro do estado), o partido socialista catalão tanto pode acabar em segundo lugar como em quinto, consoante as sondagens e o elevado número de indecisos.
à procura dos imigrantes
a ciu sabe que no quebeque, canadá, o referendo de 1995 foi perdido pelos independentistas por uns meros 50 mil votos, um número similar ao dos novos cidadãos canadianos de então. conta o el país que os partidários da independência da catalunha estão cientes disso e através da fundació nous catalans (fundação novos catalães) têm feito acções de charme junto das comunidades de imigrantes, cuja maioria é muçulmana e marroquina. visitas a mesquitas e reuniões com imigrantes fazem parte do programa dos nacionalistas catalães. no entanto, a marrocos não interessa esta situação, uma vez que rabat reclama um território que luta pela secessão, o saara ocidental. há informações de que o consulado marroquino está a dar indicações para que os cidadãos de origem marroquina não apoiem a independência.
também a rússia – o maior país em superfície – tem os seus problemas com o separatismo, com a chechénia à cabeça. daí que a visita de artur mas a moscovo, no princípio do mês, fosse de alto risco. redundou num fracasso: apesar de os ministérios russos terem recebido notas oficiais de madrid para que recebessem o líder catalão, nenhuma figura da federação russa se dignou comparecer – muito menos vladimir putin. para a história ficou uma polémica com a estada de mas e de 14 pessoas nas suites mais caras da capital russa.
duro barroso
como se vê, o sonho da independência da nação catalã colhe algumas resistências. e a maior até pode não ser madrid. de bruxelas chegou um balde de água gelada. primeiro foi a vice-presidente da comissão viviane reding a afirmar que se a catalunha saísse de espanha de forma unilateral teria também de abandonar a união europeia.
e neste sábado foi o próprio presidente, durão barroso, quem confirmou que a catalunha teria de começar do zero o processo de adesão à união europeia: «a situação jurídica não mudou desde 2004, e como no tratado de lisboa não foi introduzida qualquer alteração a esse respeito, posso confirmar que a posição da comissão sobre esta questão continua a ser a mesma».
uma intransigência das instituições europeias que pode ser decisiva no possível referendo. segundo um estudo de opinião do el país, se o referendo pela autodeterminação fosse realizado agora, 46% dos catalães votariam pela independência e 42% contra. mas sabendo à partida que a secessão implicaria a saída da ue, a percentagem de independentistas cairia para 37%, com 50% a preferir manter-se dentro de espanha.
os dados estão lançados. ou como dirão os catalães, la sort està tirada.
cesar.avo@sol.pt