tocaram na mesma sala em que a madonna, jennifer lopez e lady gaga fizeram a estreia em portugal. já se vêem no mesmo nível em termos de música para as massas?
claro que não! demorámos foi tanto tempo a vir, que agora já chegámos às grandes salas. não viemos antes porque, em 2004, estivemos em espanha e foi tão mau que decidimos não voltar. portugal sofreu por arrasto.
o que aconteceu?
tivemos muitas más experiências com o promotor, além das salas estarem sempre vazias. a gota de água foi o último concerto, quando levámos as cervejas que não bebemos para a carrinha e o promotor veio a correr atrás de nós, completamente descontrolado, a dizer que não podíamos por causa do depósito… mas este ano, achámos que não fazia sentido continuar a boicotar espanha e aproveitámos para ir a outros países onde nunca estivemos antes.
este ano praticamente só tocaram em salas para mais de dez mil pessoas. divertem-se mais assim?
depende da plateia, mas geralmente é muito mais fácil. com audiências pequenas estamos sempre a pensar ‘será que nos vão pagar o suficiente para a gasolina?’. nos concertos grandes, a única preocupação é se parecemos uns idiotas nos ecrãs gigantes.
mas como toca sem os óculos nem sequer consegue perceber se estão a achar isso de si.
isso até já provocou alguns embaraços. uma vez, um segurança veio ter comigo no final de um concerto e disse-me que estava uma rapariga a querer entrar para os bastidores porque, supostamente, troquei olhares com ela. fiquei: ‘como, se nem sequer vejo durante o concerto?!’. mas ela insistia e dizia ao segurança para me avisar que fazia tudo… [risos]
aquela imagem das estrelas andarem com as groupies todas atrás é passado?
não sei… para nós essa atitude de rock stars é ridícula. se algum dia eu ou o dan [auerbach] começarmos a agir dessa forma, como andar de óculos de sol em sítios fechados, a nossa família é a primeira a chamar-nos idiotas.
então como é que uma banda como a vossa se torna mainstream sem perder a identidade indie?
não acho que sejamos mainstream, mas essa palavra também só quer dizer que as coisas são populares. qualquer banda vai evoluindo ao longo dos anos, mas se ouvirem os nossos discos, eles fazem sentido todos juntos. o bom de ser popular é que agora, finalmente, as pessoas dão-nos atenção. falou na lady gaga, mas ela sim, é uma pop star e tem a função de definir o que é mainstream. para nós até é mau sermos considerados assim porque o rock, especialmente nos eua, ainda é muito uma coisa de nicho.
mas concorda que as canções de el camino são mais orelhudas?
acho que são mais rápidas e que o brian burton [o produtor, conhecido como danger mouse] trouxe-nos uma noção de ritmo e melodia que não tínhamos. ele trabalhou as canções connosco e o que aconteceu no estúdio foi uma competição saudável. sempre que alguém aparecia com uma faixa, os outros procuravam fazer melhor, num processo de revisão constante.
não vos incomoda que os fãs iniciais vos tenham abandonado?
estou-me nas tintas para isso. a determinada altura foi bom termos os hipsters [subcultura de intelectuais urbanos] do nosso lado. até porque é cool gostar-se de uma banda que não tem dinheiro para comer. mas quando essa banda começa a andar num carro novo e a ter dinheiro para jantar já não presta. o engraçado é que são essas pessoas que vão tirar cursos para serem médicos ou advogados de sucesso, a ganhar rios de dinheiro por ano. isso já não é um problema, só a banda favorita deles ter sucesso.
o que mudou realmente depois dos três grammy, em 2011?
muita coisa, às vezes nem sempre para melhor, mas o balanço é positivo. cresci a ouvir new rock e sempre quis que as bandas que adorava, como os pavement, dinosaur jr. ou sonic youth, tivessem sucesso. sempre achei que deviam ser as maiores bandas do mundo. nós estamos juntos há mais de dez anos e só agora é que temos dois discos conhecidos, mas as pessoas assumem que este sucesso surgiu do nada, que não é fruto do nosso trabalho. enfim, é bom saber que todas as coisas que nos aborreciam quando começámos, como lançar um disco e ninguém prestar atenção, já não acontece. agora, mesmo que odeiem, as pessoas vão ouvir.
é essa relação que tem com a música, ouvir tudo, mesmo o que não gosta?
quando estou em casa oiço constantemente música, desde serge gainsbourg a country, punk, jazz, new rock… só não tenho paciência para música depressiva. também porque não gosto muito de mostrar as minhas emoções e sentir pena de mim próprio. é por isso que também não vejo filmes em que o único objectivo é chorar o tempo inteiro. não gosto de ser manipulado dessa maneira.
outra discussão recorrente nos black keys é a quantidade de anúncios que usa música vossa. o que ganham com isso?
no início aconselharam-nos a nunca vender música para um anúncio porque não é cool. um dia contactaram-nos da nissan e foi logo a seguir àquela digressão horrível na europa, em que em vez de ganharmos dinheiro, acabámos com uma dívida de três mil dólares. quando a nissan ligou, olhámos para as nossas dívidas e pensámos ‘just do it’. os modest mouse, uma das minhas bandas favoritas, fizeram-no, os shins também. aceitámos e o que aconteceu foi que, na digressão seguinte, os concertos estavam cheios.
é verdade que são a banda mais requisitada pelos anunciantes?
nos estados unidos não somos a que tem mais licenciamentos, mas somos, de facto, a mais requisitada. decidimos só não aceitar quando não gostamos do produto. mas estamos sempre lixados porque quando recusamos, o que as empresas fazem? contratam alguém para fazer uma música parecida. às vezes ligo a televisão e fico com a impressão de que metade dos anúncios têm a nossa música. é surreal. já processámos centenas de empresas.
depois de um ano inteiro em digressão, 2013 vai ser mais tranquilo?
vamos para estúdio cinco dias depois do ano novo. só temos quatro demos, temos de fazer tudo do zero. por isso, enquanto o disco não sair, espero ter um ano mais low profile.
ainda se lembram do que é ser low profile?
não nos preocupa se voltarmos para as salas pequenas. neste momento, estamos numa posição em que podemos dizer: ‘já vimos os dois lados’. se tenho saudades das salas pequenas? não. durante oito anos não fizemos outra coisa. agora estamos a desfrutar este momento. mas, mais cedo ou mais tarde, vamos naturalmente voltar para os auditórios pequenos. nenhuma banda é popular a vida inteira. só queremos ter álbuns dos quais nos orgulhamos.