a consulta deste sábado foi convocada em tempo recorde, no início do mês, depois do presidente mohamed morsi ter lançado o país numa nova crise política ao atribuir a si próprio poderes especiais para «proteger a revolução».
o calendário muito apertado suscita as maiores reservas no mesmo egipto onde as eleições costumam decorrer ao longo de vários dias e semanas, requerendo meses de preparação. a confusão é tal que a horas da votação não era ainda claro se o referendo seria realizado apenas no sábado ou durante as duas próximas semanas, e o problema é agravado pelo boicote de parte da magistratura encarregada de supervisionar o processo eleitoral, numa reacção à decisão de morsi – entretanto parcialmente revertida – de decretar que o poder judicial não pode contestar nenhuma medida presidencial.
entretanto, foi determinada a realização da consulta em dois dias. mais de 250.000 militares e agentes de segurança vigiam o acto. mais de 50 milhões de egípcios podem participar e registam-se longas filas para votar.
o projecto da constituição pós-mubarak preocupa opositores seculares e minorias religiosas (10% dos egípcios são cristãos coptas) ao conceder um amplo papel à charia (lei islâmica) e aos teólogos da universidade al-azhar, no que muitos vêem como a proclamação de uma teocracia à iraniana.
entre o ‘não’ e o boicote
perante a ameaça dos religiosos conservadores e do regresso da ditadura, a oposição democrática surge unida, ainda que com divergências internas perceptíveis. os internacionais amr moussa (antigo secretário-geral da liga árabe) e mohammed elbaradei (ex-líder da agência da onu para a energia atómica) lideraram os apelos ao ‘não’ no referendo, mas o nasserista hamdeen sabahi divergiu ao abrir a porta a um boicote à votação caso esta não fosse realizada num único dia e sob garantias de segurança e transparência – o que os observadores consideram ser irrealista.
nas ruas, prosseguiram esta semana os confrontos entre apoiantes e opositores de morsi, considerado um revolucionário pelos primeiros e um ditador – um faraó – pelos últimos. o epicentro da tensão é o palácio presidencial do cairo, que depois de ter sido atacado por manifestantes é agora protegido por tanques de guerra. morsi autorizou o exército a deter civis, o que reforçou as comparações feitas pelos opositores entre o actual chefe de estado e o deposto mubarak.
a imprensa também está polarizada entre islamistas e seculares, com os títulos da oposição a repetirem greves às bancas. na quarta-feira, centenas de jornalistas protestaram no cairo pelo regresso da censura e pela morte de um jovem repórter atingido a tiro durante as manifestações da semana passada. no exterior, mantêm-se tímidas as expressões de preocupação da comunidade internacional e sobretudo dos estados unidos, depois das novas autoridades egípcias terem mediado a trégua recente entre israel e o hamas.
pedro.guerreiro@sol.pt