o estado precisa ser refundado?
recuso-me a entrar numa discussão maniqueísta e viciada que reduz as funções do estado às funções sociais. há muito a fazer antes de ir às funções sociais. devemos olhar para o estado distinguindo três conjuntos de funções: as de soberania, as sociais e as outras funções.
onde se devia cortar, então?
nas funções de soberania, a rede diplomática é ainda hoje a de um país com ambições imperiais ou de potência regional. manifestamente não é esse o tempo que vivemos. a defesa não foi repensada desde que portugal deixou de ter colónias. a redução das nossas forças armadas foi essencialmente na base e não na estrutura de comando. quanto à estrutura administrativa, um país com a dimensão de portugal tem um excessivo número de níveis. eliminava pura e simplesmente o nível das freguesias e evitava esta discussão sobre se deve manter a freguesia ‘a’ ou ‘b’ e mantendo os serviços que prestam como serviços de primeira linha dos municípios.
e no segundo pilar?
as funções sociais devem ser a última área a ser tocada e devem sê-lo segundo uma lógica de necessidade das populações e de capacidade do estado. mas nas funções sociais não é de mudança de modelo que estamos a falar. é apenas uma adequação.
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é no terceiro pilar onde se deve cortar mais?
o terceiro pilar é o decisivo e nunca se olha para ele. é aqui que está a pressão burocrática do estado. se eu quiser pescar tainhas no tejo tenho que pedir duas licenças a três entidades; se quiser dar 500 euros ao meu filho tenho que entregar uma declaração às finanças. há uma sobreposição do estado na nossa vida. este terceiro pilar é uma asfixia da sociedade em burocracia e em tempo. em 2002, o governo de durão barroso, em que participei, fez o diagnóstico. e começámos por dar um exemplo: privatizámos os notários. por que é que 90% das funções da direcção-geral das florestas têm que ser feitas por funcionários públicos? ou a direcção-geral que trata das cartas de condução? ou os pilotos dos portos? se calhar não é preciso ir às funções sociais para encontrar muito mais do que os quatro mil milhões de euros que o governo se comprometeu a cortar.
o governo não devia ter começado por ponderar as funções do estado logo que tomou posse?
o governo estava em estado de sitio a tentar refazer as contas e encontrar formas de imediatamente responder à troika. o debate devia ter sido lançado há seis ou nove meses quando antónio josé seguro começou a falar de crescimento. era um tema que ligava austeridade a crescimento. isso respondia politicamente ao ps. a resposta nunca devia ter sido o governo cair na armadilha de dizer que a crise vai acabar no dia 24 ou 36 ou 48.