Eleições ‘à la carte’

Quando em Portugal se decidiu realizar um segundo Referendo sobre a legalização do aborto, vulgo Interrupção Voluntária da Gravidez, em 2007, estranhei.

afinal, nove anos antes tinha-se feito um primeiro em que os eleitores disseram ‘não’ ao aborto. fui votar pela segunda vez e no mesmo sentido: a favor. mas o facto de ser favorável à legalização não significa que não me tenha questionado: se o segundo referendo tivesse dado outra vez ‘não’ a história terminaria aí? por outras palavras: enquanto o ‘sim’ não ganhasse os referendos não acabavam.

penso que as votações são sempre boas, independentemente de aquilo em que acredito sair vencedor ou derrotado. só em casos extremos podem ser questionadas. imaginemos que um partido que defende ideais totalitários ganha nas urnas. essa votação deve ser aceite? não. mas só nesses casos é que concordo com segundas consultas.

ao longo dos anos em que votei, raramente o partido que escolhi ganhou. mas sempre que os vencedores eram postos em causa, nunca consegui juntar-me ao coro dos protestantes. será que há um povo bom e um povo mau? quando optam por eleger um partido ou aprovar uma medida que vai mexer com a sociedade, no que aos costumes diz respeito, concordemos ou não, só temos de aceitar.

vem esta conversa a propósito do que se passa em itália e do que leio e oiço sobre o assunto. o antigo primeiro-ministro, uma figura patusca e de filme de comédia, ganhou sucessivas eleições. fez verdadeiros atropelos à legislação para conseguir evitar ir aos vários julgamentos em que era réu. manteve-se firme no posto e era uma das figuras mais bem recebidas pelos outros líderes mundiais. com o agravar da crise, caiu em desgraça e as cabeças bem-pensantes italianas e europeias aceitaram que fosse substituído, sem o recurso a eleições, por um tecnocrata, muito competente ao que se diz. e, agora, a europa, com angela merkel à cabeça, tudo faz para que mario monti seja reeleito, caso se digne a aceitar concorrer às eleições. tenho para mim que monti só terá legitimidade para ‘salvar’ a itália caso vença as eleições. por muito que custe à europa e a uma parte significativa de itália, o voto popular é que legitima os seus governantes. claro que se podem sempre fazer eleições sucessivas até que alguém preponderante fique satisfeito com o resultado.mas é mau para a democracia.

vitor.rainho@sol.pt