o argumento estava escrito e já havia, inclusive, localizações escolhidas no cazaquistão para o arranque das filmagens e visitas a bagram, a base do exército americano no afeganistão. até que o presidente barack obama anunciou ao mundo, nessa madrugada de maio de 2011, a morte do principal inimigo dos estados unidos e a dupla sentiu-se «ultrapassada pela história», como conta a realizadora ao jornal guardian. «nessa noite, agarrei no telefone e comecei a ligar a fontes, a bater em várias portas, a perguntar o que sabiam», acrescenta o argumentista à abc news.
bigelow e boal rapidamente perceberam que a morte de bin laden não podia ser só mais um capítulo do projecto, mas sim a história toda. parte do trabalho já concluído foi posto de parte e o argumentista (um ex-jornalista de investigação) começou a recolher testemunhos de pessoas envolvidas na operação de forma a construir o novo guião. 00:30 hora negra, que ontem estreou em portugal, conta, então, como foram os dez anos de caça a bin laden e arranca com a informação de que o argumento foi escrito «com base em relatos em primeira mão dos eventos». e logo aqui, estoirou a polémica.
acusado de ser uma obra aprovada pelo pentágono e de fazer propaganda à administração obama (com a data de estreia a ter de ser alterada para não coincidir com as eleições presidenciais do passado novembro), foram muitas as vozes da política e sociedade americana que questionaram, primeiro, se um relato é um facto e, segundo, como é que boal e bigelow tiveram acesso a informação classificada.
em todas as entrevistas que concederam e foram questionados sobre este assunto, a dupla confirma que mark boal falou com os agentes da cia envolvidos na operação bin laden e que teve acesso a documentos fornecidos pela própria organização. mas há sempre uma resposta definitiva e bastante ensaiada: «nunca pedimos material confidencial, nem nunca tivemos consciência de que nos tenha sido fornecido».
a riefenstahl de obama?
outra crítica recorrente desde que o filme estreou nos eua, é o facto de fazer a apologia da tortura. o eco maior desta acusação sentiu-se na semana passada quando a escritora feminista e defensora dos direitos humanos naomi wolf comparou bigelow a leni riefenstahl (a cineasta alemã que glorificou hilter e o poderio nazi). «como riefenstahl você é uma grande artista. mas agora será lembrada para sempre como uma serva da tortura», lê-se na carta aberta, publicada no guardian, que endereçou à realizadora.
em sua defesa, bigelow escreveu, na terça-feira, no los angeles times que, sendo uma «pacifista de longa data», apoia «todos os protestos contra o uso de tortura ou, simplesmente, o tratamento desumano de qualquer ser». no entanto, comenta, «parece-me pouco lógico argumentar contra a tortura ignorando-se o papel que esta prática desempenhou na política anti-terrorismo americana. […] a tortura, como todos sabemos, foi usada no início desta caça ao homem. mas isso não significa que foi a chave para encontrar bin laden. é uma parte da história que não podemos ignorar».
e esta postura que bigelow sentiu necessidade de reforçar está explícita no filme. as cenas de tortura ocupam uma parte inicial de 00:30 hora negra, mas todas as informações relevantes para encontrar bin laden não surgem em nenhum destes momentos. a pista mais determinante é conseguida através de uma manipulação psicológica que maya (a agente da cia, interpretada por jessica chastain, que protagoniza a história) faz a um prisioneiro e grande parte do filme centra-se nas operações técnicas e de dedução de como uma pista conduziu a outra.
uma mulher no centro da acção
na pesquisa que mark boal fez para o filme, um dos aspectos que mais impressionou bigelow, contou a realizadora à revista do el país, foi «descobrir que a pessoa no centro desta operação era uma mulher». «ninguém pensa numa jovem mulher como a caçadora de um terrorista», acrescenta ao guardian. apesar da surpresa, maya é retratada como uma jovem agente obstinada, «esperta para caraças», com apenas uma motivação: vingar um país. da sua intimidade pouco (ou mesmo nada) se sabe e as únicas características pessoais reveladas – gosta de se vestir bem e de trabalhar em espaços limpos – só servem para reforçar que foi uma mulher, e não um homem, quem descobriu bin laden.
sobre a agente que inspirou maya também muito se tem especulado. através dos livros um dia difícil, de mark owen, um dos membros da equipa que matou o líder da al-qaeda, e manhunt: the ten-year search for bin laden, do jornalista peter bergen, sabe-se que é uma mulher na casa dos 30, começou a trabalhar na cia logo depois da faculdade, não tem medo de dizer sempre o que pensa e tem uma vasta colecção de sapatos caros de salto alto. já o washington post, num perfil, escreveu que quando ela recebeu um prémio monetário igual ao de outros membros envolvidos na operação, mandou um email aos colegas a dizer: «só eu mereço a recompensa».
independentemente do seu papel na missão bin laden, é através de maya que bigelow conta toda a acção. ela funciona como o fio condutor da história e leva o espectador aos 30 minutos finais que coincidem com a operação no complexo de abbottabad. na realidade a missão durou 45 minutos e, até nisto, bigelow quis ser o mais precisa possível. ao contrário do que é normal no cinema, e em especial em filmes de acção, o tão tradicional clímax nunca acontece. bigelow está tão preocupada em não manipular o espectador, e documentar apenas o que se passou, que opta por um registo seco, plano, desligado emocionalmente, como se estivéssemos a assistir àquela operação em tempo real. 00:30 hora negra é um filme admirável e, mesmo que não consiga nenhum dos cinco óscares para os quais está nomeado – melhor argumento, actriz, filme, som e montagem –, ainda bem que é o primeiro filme sobre a perseguição a osama bin laden. o segundo está a caminho: steven spielberg está já a preparar o que tem a dizer sobre este assunto. e o tom será diferente.