‘Africanistão’ ganha forma

Do Atlântico ao Mar Vermelho, estende-se por África uma faixa de mais de 5.000 quilómetros semidesérticos de pouca gente e um número crescente de problemas.

o sahel, a margem sul do grande deserto do saara, é por estes dias palco de uma nova frente de guerra entre o ocidente e o islão radical, à medida que os drones norte-americanos levam a melhor no iémen e na fronteira afegano-paquistanesa. o novo epicentro da luta é agora o mali, onde este mês interveio a frança contra uma frágil coligação entre separatistas tuaregues e extremistas afectos à al-qaeda.

mas a história faz-se de outros datas e locais. a guerra civil na argélia, travada entre 1991 e o início da década passada entre o regime militar apoiado por paris e o partido islamista que tinha vencido as primeiras eleições multipartidárias da antiga colónia francesa, foi uma escola para mujahedines de todo o mundo – como foi o conflito entre afegãos e soviéticos nos anos 80. um dos seus formandos foi mokhtar belmokhtar, suposto líder da acção terrorista que vitimou pelo menos 67 pessoas na semana passada na refinaria de in amenas, leste da argélia.

o combatente, que também tem uma passagem pelo afeganistão no currículo, alinhou no gia (grupo islâmico armado que combateu o regime argelino) e foi posteriormente um destacado líder do grupo salafista para a prédica e o combate e da filial magrebina da al-qaeda (a aqmi).

belmokhtar chegou a ser declarado «emir do sahel» pelos aliados de osama bin laden, mas acabaria afastado da aqmi após uma luta interna pelo poder. agora lidera o seu próprio grupo, mas continua a combater pela mesma causa que une radicais de várias proveniências no norte do mali, e foi na argélia que o extremista e destacado contrabandista saariano lançou a primeira grande acção de represália pela acção francesa.

outros o seguirão. nos fóruns online dos extremistas islâmicos e dos candidatos a mujahedines, a intervenção gaulesa no mali teve o efeito de virar as atenções dos radicais para a luta entre os defensores da charia, que vigora agora em timbuctu e gao, e os «cruzados». onde antes dominavam as discussões sobre a síria (onde continuam a chegar voluntários árabes, chechenos e paquistaneses), ganham agora destaque os artigos e as imagens provenientes do sahel, o que poderá atrair combatentes estrangeiros para o terreno. nos mesmos fóruns, argélia, marrocos e mauritânia são apontados como países «traidores» da causa muçulmana em áfrica e como potenciais alvos de represálias.

mas é frança quem está no topo da ‘lista negra’ dos salafistas virtuais. de resto, sucedem-se as ameaças de um «11 de setembro» em paris como o que foi tentado em 1994, quando radicais argelinos tomaram um avião da air france para tentar despenhá-lo contra a torre eiffel – as autoridades gaulesas travaram a operação em marselha.

da mauritânia à eritreia, o ‘africanistão’

no crescente conflito regional entra também a mauritânia, onde a ameaça da al-qaeda foi mediatizada em 2008 com o cancelamento da edição daquele ano do rali dakar. o exército local, treinado por franceses e norte-americanos, é dos mais habilitados da região. tem perseguido com relativo sucesso os rebeldes na sua parcela do saara e travou vários planos de ataque à capital nouakchott. é também na mauritânia que está o que se suspeita ser o órgão oficial dos extremistas da região – a agência noticiosa independente ani, que relatou com surpreendente precisão a operação de belmokhtar em in amenas.

a norte, em marrocos, está um dos centros de recrutamento para a jihad no mali. nos últimos meses, a organização extremista ansar achariaa foi alvo de operações policiais que comprovaram ligações tanto à aqmi como ao ansar dine, outro grupo radical.

a leste do mali, prossegue no níger a aliança instável e intermitente entre a al-qaeda e os tuaregues. foi às portas da capital niamey que, em 2008, belmokhtar sequestrou um enviado das nações unidas.

a norte do níger, na líbia, a queda do regime ditatorial de muammar kadhafi desatou as mãos aos extremistas locais e provocou uma sangria de armamento e mercenários para os países vizinhos.

no chade e no sudão, sem mão aparente da al-qaeda, o sahel continua a sangrar com o conflito entre negros e árabes instrumentalizados pelos regimes dos dois países. no extremo leste desta faixa semidesértica atingida pela guerra, a fome e a falta de água, a eritreia foi notícia na segunda-feira por uma tentativa frustrada de golpe militar.

pedro.guerreiro@sol.pt