O lado bom do comunismo

Há cerca de 20 anos, numa aula de História sobre a Revolução Industrial, uma professora mencionou um livro. Por alguma razão, houve um aluno naquela sala que nunca mais esqueceu o título.

esse aluno era eu e o livro chamava-se a condição da classe trabalhadora em inglaterra. volvidos os tais 20 anos, acabámos por nos encontrar numa livraria de lisboa. e há cerca de um mês dediquei-me finalmente a conhecê-lo, com a curiosidade despertada pelas palavras da professora ainda intacta.

um dos factos mais dignos de nota é que friedrich engels, o autor, tinha apenas 24 anos quando escreveu este clássico. na origem da obra esteve uma passagem por inglaterra, para onde foi enviado pelo pai – nas suas palavras «um tirano» –, para aprender os rudimentos da profissão num moinho que este possuía em manchester. pelo caminho, parou em paris, onde se encontrou com o seu conterrâneo karl marx (e de onde, 75 anos mais tarde, lenine partiria para fazer a revolução bolchevique). aí forjaram uma amizade forte, profícua e duradoura, que se traduziria em obras como o manifesto comunista, mas também no apoio financeiro que engels concedeu a marx.

em manchester, e um pouco por todo o país, o jovem alemão ficou tão impressionado com o que viu que quando regressou à sua terra, em finais de 1944, se dedicou a escrever um livro onde relatava a experiência. «ao longo de 21 meses tive a oportunidade de me familiarizar com o proletariado inglês […]. o que vi, ouvi e li foi transformado no presente livro».

nas suas melhores páginas, acondição da classe trabalhadora em inglaterra é tão impressionante e comovente como eu o tinha imaginado há 20 anos. engels explorou os bairros pobres de manchester, provavelmente guiado pela sua futura companheira, a irlandesa mary burns, e por isso pôde testemunhar em primeira mão as condições terríveis em que viviam e trabalhavam os operários das fábricas.

viu os quartos mal ventilados (que também serviam de sala e de cozinha), onde chegava a viver uma família inteira, ou até mais; as caves gélidas e saturadas de humidade; os pátios cobertos de poças de detritos; pessoas que viviam com porcos em casa; famílias que se alimentavam exclusivamente de batatas; crianças com os ossos deformados… o rol de desgraças não tem fim.

engels denunciou corajosamente todas estas situações no seu livro, publicado pela primeira vez em leipzig em 1845. é verdade que a condição da classe trabalhadora em inglaterra nos transporta para lugares que preferíamos nunca ter visitado. ainda assim, volvidos todos estes anos, continua a valer a pena lê-lo. por várias razões: por nos revelar as origens mais nobres do comunismo; por se tratar de um dos mais fascinantes documentos sobre o quotidiano nas cidades industriais de meados do século xix; e, finalmente, por mostrar, sem margem para qualquer dúvida, até que ponto somos privilegiados. mas basta olhar para os trabalhadores de um país como a china – por ironia, um produto do comunismo – para percebermos que ainda há muito por fazer.

jose.c.saraiva@sol.pt