na passada quarta-feira, portugal emitiu 2,5 mil milhões de euros de dívida pública com um prazo a cinco anos, tendo a procura superado a oferta em cinco vezes. o executivo quer aproveitar a euforia dos mercados pelos activos dos países periféricos da zona euro e estender os prazos destas emissões.
o objectivo é convencer o banco central europeu (bce) a accionar o seu programa de compra de dívida pública e apoiar portugal no período de transição para o pós-troika. o país tem de pagar, até 2016, mais de 50 mil milhões de euros em empréstimos, um montante que dentro do governo é considerado «preocupante». o bce ainda não revelou as condições e as regras do seu programa de compra de dívida pública, mas dentro do arco da governação existe a convicção que só quando portugal tiver capacidade de atrair investidores para emissões de dívida a 10 anos, pelo menos, é que a instituição de mario draghi dará ‘luz verde’ ao seu apoio.
a forte presença de estrangeiros na emissão de dívida desta semana – que compraram 93% do montante total –, foi um sinal positivo e uma novidade face às emissões anteriores, onde os estrangeiros estiveram praticamente ausentes. depois do interesse dos investidores externos pelo estado, a par das grandes cotadas, o governo pretende que essa atracção se estenda às empresas nacionais, sobretudo as de pequena e média dimensão, com um efeito de arrasto a toda a economia.
o sucesso do ‘ensaio’ do regresso aos mercados, sete meses antes do previsto, ocorreu numa semana carregada de notícias menos positivas para o executivo. só no início da semana passada, entre segunda e quarta-feira, portugal pediu a renegociação de parte da sua dívida a bruxelas, confirmou que só as medidas extraordinárias salvaram o défice orçamental de 2012, viu a dívida pública tocar um novo máximo em 124% do produto interno bruto (pib) e terminou com o fmi a afirmar que espanha, o maior parceiro comercial do país, vai sofrer uma recessão mais profunda que portugal (queda de 1,5%). há um ano, qualquer um destes eventos seria suficiente para desencadear subida de juros da dívida, cortes de ratings ou queda na bolsa. porém, agora nenhum deles aconteceu.
periferia lucrativa
a viragem no sentimento dos investidores face à periferia começou em junho de 2012 quando mario draghi, presidente do bce, afirmou que faria tudo para salvar o euro. com as garantias de que a moeda única não iria acabar, que portugal e grécia ficavam no euro e que espanha ou itália não necessitavam de um resgate total, os activos dos países periféricos tornaram-se na grande ‘coqueluche’ dos investidores.
a dívida pública portuguesa, com uma taxa de rentabilidade de 5% passou a ser uma aposta lucrativa face à dívida alemã, que paga um juro de quase 0%. com os bancos europeus carregados de dinheiro barato do bce emprestado a 1%, a corrida aos periféricos começou de imediato. desde o verão do ano passado, a probabilidade de desmembramento do euro caiu de 75% para 23%, os juros da dívida portuguesa desceram para metade em todos os prazos e a bolsa grega foi a que mais valorizou em 2012. os mercados passara a ‘ignorar’, no caso de portugal, a existência de uma dívida pública de 120% do pib, um défice de 6% ou um rating de ‘lixo’. os analistas referem que nunca existiu um período onde a diferença entre o estado de ânimo dos mercados (euforia) fosse tão grande face à economia real (depressão).
farmácia draghi
os ‘analgésicos’ dados pelo bce (via dinheiro barato e ilimitado para a banca) estão a criar uma perigosa sensação de que o ‘pior já passou’ junto dos investidores e a criar uma euforia desmesurada nos mercados face aos países periféricos. a banca, por exemplo, está a canalizar o seu dinheiro para a compra de dívida pública em vez de entregá-lo às empresas, revelam dados do banco de portugal, esta semana.
os sinais de alarme já soaram em bruxelas. um documento interno da comissão europeia, a que o sol teve acesso, alerta que a situação na periferia da zona euro «continua frágil» e que a melhoria nas condições financeiras e acalmia dos mercados «só tem beneficiado o estado e as grandes empresas». bruxelas avisa que se os cidadãos e as pme não começarem a sentir «depressa» as vantagens das melhorias financeiras e económicas, decretadas por investidores e governos, a estabilidade social poderá estar comprometida.
o ‘regresso’ aos mercados esta semana foi apenas um dos muitos passos necessários para uma autonomia financeira da troika. os mercados são instáveis e os sinais de degradação da economia, do desemprego, da paz social ou das as reformas na zona euro estão demasiado presentes para cantar vitória.