Novo disco: Afinal este reino de Nick Cave é melancólico

Nick Cave sempre foi um rei absoluto do seu império, mas isso nunca fez dele um líder autista. Desde From Her to Eternity (1984), primeira obra do músico australiano com a tripulação Bad Seeds, até Dig, Lazarus, Dig!!! (2008), Nick Cave sempre permitiu que os seus colaboradores mais próximos se intrometessem nas canções e, com…

neste percurso de quase 30 anos, foram vários os discípulos que ficaram pelo caminho, mas depois da saída do guitarrista blixa bargeld (que deixou a formação em 2003), a ausência mais sentida agora, no novo push the sky away (nas lojas segunda-feira, dia 18), é a do multinstrumentista, compositor e produtor mick harvey, que se desvinculou dos bad seeds em 2009. mas como em qualquer reino, quando o fiel mais destacado desaparece, já há outro na linha de sucessão para ocupar o lugar à direita do trono.

o 15.º álbum dos bad seeds é, então, fortemente marcado pela influência de warren ellis. o, também ele, multinstrumentista e compositor alinha pela formação desde 1995, mas a sua presença ao lado de nick cave prolonga-se ainda nos trabalhos que têm ocupado mais recentemente o músico australiano: os grinderman e as bandas sonoras para filmes e peças de teatro.

muito distante da ruidosa e crua muralha sonora dos grinderman, push the sky away aproxima-se mais desse universo paralelo e mais orgânico que cave e ellis têm explorado para servir o lado visual do cinema e do teatro. há aqui uma propensão para a melancolia fortíssima, com a contenção sonora e o dramatismo de uma secção de cordas bem audível a favorecer a profunda introspecção destas canções.

este refreamento também faz sobressair as deambulações líricas de nick cave, que se espartilham, mais uma vez, por temas como a religião, pecado, redenção, mulheres, sexo, amor…

«o álbum funciona em loop. há uma narrativa que vai de canção em canção», referiu o músico no concerto de apresentação de push the sky away, no domingo, em londres. e, de facto, além das sequências sonoras em constante repetição evidentes dentro de cada canção – que tanto se assemelham a batimentos cardíacos como a pequenos tremores rítmicos –, estas nove baladas funcionam como um todo. as canções de nick cave são sempre pequenas histórias individuais, densas e misteriosas, mas aqui a obra é tão homogénea e linear que push the sky away pode (e deve) ser ouvido como objecto único, como apenas uma canção de 42 minutos.

alexandra.ho@sol.pt