como vê o silêncio do cds sobre o anunciado corte de quatro mil milhões de euros?
estou a aguardar com bastante expectativa, uma vez que o próprio presidente anunciou há dois meses que iria convocar uma comissão política para discutir esse assunto. estamos à porta da 7.ª avaliação da troika e nada aconteceu. gostaria que o partido discutisse interna e previamente as propostas que são oportunas. compreende-se mal que haja tão pouca política e que esta matéria acabe por ser entendida pelos cidadãos quase como uma operação matemática e meramente financeira. era importante o cds ter aqui um discurso político forte.
prevê-se um corte de 1,5 mil milhões de euros na segurança social. um corte desta ordem de grandeza é compaginável com a democracia-cristã?
vejo com preocupação, uma vez que as transferências sociais têm um papel muito importante na redução da pobreza e sei que este exercício não se fará sem dor. mas tem que ser feito de uma forma o mais eficiente possível. o esforço de consolidação orçamental é incontornável. a fatia da segurança social representa metade da despesa pública. e o nível de despesa pública, mais de 50% do pib, é insustentável.
o corte de quatro mil milhões vai afastar ou aproximar cds e psd?
devia ser um factor de aproximação, dadas as preocupações manifestadas no passado pelo cds. o partido manifestou o desejo de que a consolidação orçamental se fizesse pelo corte da despesa. há aqui uma agenda do governo que é totalmente em linha com aquela que é a do cds.
o movimento alternativa e responsabilidade, que integra, apresentou uma moção crítica de paulo portas no último conselho nacional e acusou-o de não ser leal e coerente…
essas afirmações foram a propósito de um processo que é do passado. depois disso tem havido um apaziguamento da tensão na coligação. foi um serviço que fizemos ao partido e ao país. o cds estava a ir pelo mau caminho e nós ajudámos o cds a afinar o seu caminho.
como viu a remodelação governamental e a promoção de adolfo mesquita nunes, um centrista crítico de vítor gaspar, a secretário de estado?
a remodelação teve pouco peso político. como eleitor, admito que houvesse a expectativa de um novo fôlego e não posso dizer que tenha ocorrido. a única surpresa que me causa a nomeação de mesquita nunes é que era um dos dois deputados que estava com as maiores responsabilidades no âmbito da reforma de estado. o cds resolveu prescindir do seu contributo numa altura em que o seu contributo é decisivo. o partido dá antes um sinal de ter poucas opções fora do eixo da direcção e do núcleo mais próximo de paulo portas. isso não é muito positivo, pois revela que o partido está menos aberto do que nesta altura o país precisa.
existe cds ou existe um partido de paulo portas?
existe cds e eu faço parte desse partido. estou lá de pleno direito. faço uma avaliação positiva do cds embora esteja muito aquém das expectativas que criou no eleitorado. apesar de todas as diferenças, tem mantido o seu apoio ao governo. esteve muito bem na questão da rtp, no novo élan na agricultura e o reforço das ipss no apoio aos mais necessitados. tem estado aquém porque o cds denunciou muito um centrão dos interesses, quis distanciar-se de um certo centrão de interesses que passava por colocações e partidarização do estado e, aí, o cds deixa a desejar. não se diferenciou.
alimentou também uma clientela?
sim, temo que sim. o dr. paulo portas prometeu que o cds seria um factor importante de descolonização do estado, pois havia uma excessiva partidarização dos lugares do estado e não estou certo que o cds tenha sido esse factor. por outro lado, perdeu grande identidade e está desprovido de um projecto político diferenciador e mobilizador do país. ocds percebeu isso a certa altura e quis contrariá-lo da pior maneira, procurando distanciar-se do governo e fazendo críticas. ocds tem que afirmar uma identidade própria, com propostas concretas e não pode estar numa atitude de rendimento mínimo de governação: encostar-se a uma atitude mínima, de gerir silêncios, nas matérias mais problemáticas e disponibilizar-se para se distanciar de quaisquer gaffes ou falhas do parceiro de coligação.
o que achou da posição do cds relativamente à escolha de franquelim alves para o governo?
se é um sinal de que tem pouca solidariedade com o pm é um sinal negativo. estes são momentos de grande tensão. não tenho dados suficientes para dizer se houve aqui deslealdade. mas é muito importante que os partidos da coligação articulem bem as suas posições, tentem gerir no seu seio as divergências que possa haver e que estas sejam em matérias fundamentais e não em questões pontuais que alimentam a espuma do dia-a-dia, mas que não são estruturantes para a vida do país.
portas cumpriu esta semana os dois anos de mandato para que foi eleito. o que espera do congresso que terá que se realizar em breve?
a classe política está a perder o país e o cds não está fora desse movimento. as pessoas estão muito descrentes da classe política, por sentirem falta de competência técnica, promessas não cumpridas. é aqui que o cds deve centrar a avaliação que faz do seu mandato e como encara o futuro. é preciso que o cds encare isto com uma grande abertura. um partido fechado e com uma cultura de seguidismo não teria capacidade para inverter este fenómeno. aguardo o calendário do partido para a convocação do congresso, mas o desafio do futuro próximo é este: é ouvir o país e fazer um grande confronto do partido com o país para poder recuperar um sentido de compromisso que foi perdido e afirmar um projecto mobilizador. o lema devia ser ‘portugal, o que esperas de nós?’. os eleitores sentem-se bastante órfãos e defraudados. um partido que se identifica demasiado com o seu partido tem méritos, mas também tem aspectos menos positivos, como uma menor capacidade de se abrir à diferença e à pluralidade – para um partido que aspira a ser médio, é empobrecedor.
o cds começou por dizer que era contra a candidatura de autarcas com três mandatos a concelhos vizinhos e agora vai apoiar fernando seara em lisboa. que lhe pareceu esta decisão?
o cds falhou por falta de coerência. do ponto de vista político, o aspecto mais penalizador é que o cds deixa de ser um partido previsível, muda muitas vezes de posição por cedência ao calculismo. sem previsibilidade não há credibilidade e sem credibilidade há um enorme problema afirmação junto dos eleitores.