o que têm em comum lincoln, argo e 00:30 a hora negra? estão na lista de nove longas-metragens da qual sairá o vencedor do óscar de melhor filme na noite de domingo. mas há mais. os três filmes contam momentos da história dos estados unidos nos quais abraham lincoln, jimmy carter e barack obama tomaram decisões cruciais. só um presidente saiu por cima, o actual – e logo o único destes três que, por sinal, deu ordem para matar.
de argo e a hora negra a crítica foi genericamente positiva, mas não faltou quem se insurgisse contra a falta de rigor num e noutro caso (esquecendo-se talvez de que se trata de ficções baseadas em histórias reais) e pela apologia da tortura no caso do filme sobre a caça a osama bin laden.
‘argo’ é o nome de um filme falso de ficção científica que serviu de pretexto para a entrada da cia no irão. alegando estarem à procura de cenários para filmar, os agentes norte-americanos foram retirar seis compatriotas que tinham escapado da embaixada – entretanto tomada pelos revolucionários – e que estavam refugiados na casa do embaixador canadiano. a operação necessitou do apoio do canadá, em especial do embaixador taylor, e esse aspecto está menorizado no filme. o realizador e actor principal de argo, ben affleck é ainda posto em causa por não ter cedido o papel do protagonista a um latino, uma vez que quem comandou a operação foi tony mendez, cujo apelido denuncia a sua origem.
indiferente a estes pormenores, ouve-se jimmy carter lamentar no final do filme (durante os créditos) não ter podido marcar pontos durante a campanha eleitoral. os outros norte-americanos continuavam reféns e só foram libertados no dia da tomada de posse de ronald reagan, que bateu carter nas urnas.
e se há pessoa que barack obama não queria imitar era jimmy carter, o último democrata que não conseguiu a reeleição. daí que no campo da defesa e do terrorismo, obama tenha optado por uma actuação pragmática e realista – para decepção da sua base de apoio, ao deixar cair a promessa de encerrar guantánamo, ou ao permitir assassínios extrajudiciais como os de bin laden ou de outros extremistas em territórios onde os eua não estão sequer em conflito (iémen, paquistão…). a história de zero dark thirty – 00:30 a hora negra é a da caça ao homem mais procurado no mundo. já estava em produção quando a equipa das forças especiais dos eua irrompeu pela casa do saudita, em abbottabad, e o liquidou. um troféu que obama não enjeitou e que obrigou a realizadora kathryn bigelow e o argumentista mark boal a mudarem de planos.
quatro assassinados,
oito mortos
como o nome do filme não deixa margem para dúvidas, lincoln tem como protagonista o homem considerado o melhor presidente dos estados unidos (representado por daniel day-lewis). a defesa do fim da escravatura teve um preço elevado: a guerra da secessão ceifou centenas de milhares de vidas e já com a derrota à vista dos sulistas seria o motivo para, em 1865, o actor john wilkes booth assassinar o 16.º chefe de estado norte-americano. o filme retrata um homem angustiado pelo momento político, mas também pelos dramas familiares. o que não retrata é o lado depressivo e soturno que o caracterizou desde jovem. tinha um estranho fascínio pela morte e isso transparecia não só nas conversas, mas também nos poemas, nas cartas, nos discursos. escreveu um ensaio sobre o suicidio e temia perder a razão. alguém sem ela, booth, tratou de impedir essa possibilidade.
lincoln não foi o primeiro presidente dos eua a morrer durante o exercício do mandato, mas sim william henry harrison. este foi o homem que menos tempo liderou os estados unidos. militar e governador implacável, em especial para com os índios, harrison só esteve um mês na casa branca. o discurso de tomada de posse foi mortífero: duas horas à chuva sem casaco nem chapéu, ao que se seguiram as cerimónias da praxe – sempre encharcado. em 1841, a medicina ainda incluía práticas medievais e como tal a pneumonia revelou-se fatal. ainda no final dessa década, o herói da guerra mexicana-americana zachary taylor também morre ao serviço dos eua, com cólera. estava há pouco mais de um ano na presidência, que terminou com a sua morte em 1850.
lincoln foi o primeiro presidente a ser assassinado – mas não o último. a moda pegou no ocidente no final do século xix, princípio do xx. em 1881, james garfield estava há cem dias à frente dos destinos do país. o advogado charles guiteau perseguia-o há semanas: desde o momento em que não conseguira obter uma colocação num consulado, através de nomeação presidencial, que planeava matar garfield. o atentado deu-se na estação de comboios de washington. guiteau atinge o presidente pelas costas, quando este caminhava com o secretário de estado. a bala aloja-se no pâncreas e garfield luta com a morte durante dois meses e meio, mas acaba vencido.
vinte anos volvidos e mais um líder dos estados unidos é assassinado. william mckinley foi o presidente que tornou a ex-colónia numa potência colonialista, ao anexar o havai, porto rico e as filipinas e ao ficar com o controlo de cuba após a guerra com espanha. mas bastou a acção de um anarquista desempregado, leon czolgosz, para pôr termo à vida do chefe da grande potência emergente. estávamos em setembro de 1901, numa exposição em buffalo, nova iorque. «um jovem franzino aproximou-se do presidente com a mão direita ligada. (…) lançou-se para a frente, empurrando para o lado o braço do presidente, enquanto simultaneamente disparava duas vezes uma pistola que ocultara na mão ligada. (…) mas (mckinley) parecia mais interessado no assaltante do que na sua ferida, e disse para courtelyou, muito calmamente: ‘não deixe que eles o maltratem’». (a descrição é retirada de império, de gore vidal). mckinley ainda pediu ao secretário para ter muito cuidado no modo como aquele iria contar o sucedido à sua mulher, antes de ser operado e diagnosticado como fora de perigo. mas a bala que entrou no corpo não foi encontrada e a infecção acabou por gangrenar; oito dias depois, enquanto praticava alpinismo, o vice-presidente theodore roosevelt foi informado de que era o novo presidente.
o último chefe de estado norte-americano assassinado foi john kennedy, em 1963. as imagens do desfile presidencial pelas ruas de dallas fazem parte do imaginário colectivo – ainda para mais amplificadas pelo filme de oliver stone, jfk. menos conhecidos são outros factos do mais jovem presidente eleito e o mais jovem a morrer: de saúde precária, esteve à beira da morte noutras ocasiões (chegaram a dar-lhe a extrema-unção numa viagem marítima de inglaterra para os eua) e escondeu por muito tempo a doença de que padecia (uma falha das glândulas supra-renais que obriga a terapia hormonal, a doença de addison).
entre mckinley e jfk outros dois presidentes morreram durante o mandato. warren harding está na lista dos piores presidentes, franklin roosevelt no top dos melhores. harding chegou à casa branca com o lema ‘de volta à normalidade’, mas a fraca liderança e parte da equipa corrupta que escolheu – ‘a quadrilha do ohio’ – deixaram-no doente. ao ponto de, em 1923, quando regressava de comboio de uma viagem ao alasca, ter morrido enquanto a mulher lia para ele. um avc ou um enfarte foi a causa da morte, em 1945, de roosevelt. aos 78 anos, tinha tomado posse para um quarto mandato há menos de três meses. desde os 39 anos confinado a uma cadeira de rodas, vítima da poliomielite, viu a saúde deteriorar-se nos decisivos anos 40, quando os eua entraram na segunda guerra mundial. soube-se posteriormente da incompetência do médico pessoal do presidente. fdr foi tardiamente diagnosticado –por um médico da marinha – com hipertensão, falha no ventrículo esquerdo e bronquite aguda.
cesar.avo@sol.pt