em causa, o ensaio le crépuscule d’une idole, recém-lançado por cá, com o título anti-freud, baseado em ampla pesquisa e veemente argumentação. as conclusões de onfray, na sua maioria apoiadas por citações do próprio freud, pretendem ser cabais: a psicanálise é, não uma descoberta, mas sim uma invenção, sustentada pela ambição doentia e pelos quase maquiavélicos poderes de efabulação, autopromoção e manipulação do seu criador. sigmund freud (1856-1939) foi um arcaísta, anti-existencialista, ganancioso, mitómano, misógino, insensível à pobreza e aos seus próprios pacientes. sim, ele introduziu a intimidade e revalorizou o poder da palavra no pensamento ocidental, mas extrapolou os seus fantasmas pessoais para o mundo inteiro. a sua ciência não passa de uma fraude, da ordem do xamanismo e da alucinação colectiva.
onfray, filho de trabalhadores pobres, educado numa escola-orfanato católica, encontra na leitura de nietzsche a fuga para uma adolescência triste e violenta. professor de filosofia, graças a ensaios como tratado da ateologia ou a política do rebelde, ganha fama como filósofo iconoclasta e polémico, ateu militante, hedonista materialista e provocador. em 2002, cria a universidade popular de caen, onde põe em marcha formas não convencionais e solidárias de ensino e prática da filosofia. os seus ciclos de conferências atraem milhares. decide ministrar um deles sobre freud, autor que estudara no período formativo e ensinara durante anos. entretanto, lê a obra colectiva e polémica le livre noir de la psychanalise, lançada em 2005. decide ler na íntegra os textos de freud, a correspondência, as biografias e os ensaios das correntes histórica e revisionista. fica aterrado com o que descobre e, mais uma vez, na esteira de nietzsche, decide «filosofar com o martelo». anti-freud, agradável de ler, bem argumentado, é o livro de um boxeur. dificilmente o olhar sobre a génese da psicanálise – alerta: que deve ser destrinçada da evolução das práticas clínicas – voltará a ser o mesmo.