o nome do disco remete para uma questão de dimensões. qual a ideia?
pensei na imagem do homem vitruviano, do leonardo da vinci, que é uma das figuras do humanismo. não sendo contra o humanismo, este disco fala dos seus excessos, uma vez que o homem emancipou-se para se tornar a medida de todas as coisas. quando se engrandece dessa maneira, depois surgem os medos que o tornam pequenino. quando o medo é grande, o mundo apequena-se.
quais são os seus medos?
são coisas muito picuinhas que, até figurativamente, trazem muita responsabilidade, como a burocracia, papéis e estruturas que obrigam a pessoa a organizar-se para progredir. é um bocado o síndroma de peter pan. ter vergonha de já ser adulto.
daí a ironia que usa nas canções?
a ironia é natural na minha escrita porque, muitas vezes, não quero ser tão maçudo como é normalmente o conteúdo das minhas canções. querer fugir às coisas é a maneira mais rápida de ir ter a elas e, se calhar, inconscientemente, isso leva-me a que seja leve, ou contraditório, na maneira como faço música. mas há um compromisso de seriedade. como vou ser julgado perante aquilo que são as minhas afirmações, escrever uma canção é o momento para proclamar que caminho quero seguir.
manuel cruz e antónio zambujo são alguns dos músicos convidados. como surgiram as colaborações?
além de serem músicos que admiro, são amigos. como não sou um gajo de muitas tretas, tenho facilidade em me dar com as pessoas e, como me cruzo com elas muitas vezes, é natural surgirem colaborações. mas depois também não sei fazer render o peixe. tenho o antónio zambujo e o miguel araújo, malta que merecia um tema orelhudo para fazer render nas rádios, e meto-os em canções que, à primeira vista, são daquelas para encher o disco…
diz com frequência que não é romântico, mas há um lado ‘baladeiro’ forte em si. é uma contradição?
nunca tive um desgosto amoroso e toda a gente me diz que isto não é normal, mas a verdade é que nunca foi um dos grandes traumas da minha juventude. nesse aspecto terei os trejeitos românticos, sem os motes do romantismo homem-conhece-mulher-homem-sofre-por-mulher. mas depois compenso. como sou casado há quase dez anos, também é um desafio escrever sobre o compromisso. o tema ‘eu seguro’ [com márcia] é sobre isso. às vezes, o amor passa pelo desamor, mas o facto de não se querer considerar o fim, mesmo quando o sentimento é mais ténue, é a maior prova de amor. e isso sei o que é, porque existe no casamento. a maior declaração de amor que se pode fazer não é ‘vou amar-te para sempre’, mas sim ‘vou querer amar-te para sempre’.
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este disco tem canções melancólicas, longas, sem refrão… não quis reger-se pelas fórmulas pop?
não tenho urgência em agradar, a não ser a mim próprio. e, como quando comecei a escrever o disco estava focado nessa desilusão com o humanismo, não quis essa abordagem instantânea. gosto da ideia dos discos serem em crescendo e depois de uma quarta ou quinta audição começar-se a descortinar coisas que não se apanharam antes. e também não tenho essa preocupação em criar músicas que possam passar na rádio. há uma canção neste disco que, quando acabei de a escrever, tinha duas páginas de word. pensei em cortar, mas é um disparate maior estar a encurtar aquilo que me apeteceu dizer na altura. estaria a perder a identidade e sei que, entre haver três mil pessoas que comprem o disco porque perdi a identidade ou mil porque me querem a mim, prefiro as mil.
com nem lhe tocava tornou-se conhecido, mas não comercialmente. agora também não deverá acontecer. no meio é que está a virtude?
o que me surpreende mais são as expectativas que se fazem em torno da minha carreira. e até sinto que existe alguma desilusão por continuar a ser aquela ideia, que existe no futebol, da eterna promessa. o gajo que toda a gente espera que vá ser um grande ponta de lança, mas é um médio centro competente. nesse aspecto, para mim o meio é suficiente, até porque tenho noção que se quisesse subverter algumas das coisas que me caracterizam conseguia escrever para um público alargado. depois do nem lhe tocava, escrevi canções claramente pop para uma banda alter-ego, a maria clementina [criada para uma campanha de publicidade], e essas músicas até passaram bastante em rádios onde eu não passo.
o lado financeiro nunca entra em conflito com o artístico?
não me escandalizo se escrever canções pop comerciais, não sinto que me estou a vender, mas ai de mim se pensar no que vou ganhar com um tema quando o faço.
mas há uma lista de intenções?
há intenção, as coisas não são é feitas de forma programática. ao contrário do que possam parecer as minhas letras, e aquilo é tudo um bocado nonsense, há intencionalidade em todas as palavras que canto. isso é garantido. essa intencionalidade é que nem sempre é decifrável e não me interessa ser eu a entregar a chave para ser entendido. a crítica de arte – e não estou a chamar arte aos meus discos – é muito baseada em especulação sobre sentimentos, estados de espíritos, subintenções do artista. essa especulação é fixe porque mesmo que não entendam o que está a ser dito, entendem que se está a querer dizer alguma coisa. e a mim interessa-me mais que entendam a minha sinceridade, que existe verdade, do que propriamente a minha intenção.
fala de si sempre com imensa modéstia. porquê?
gosto da fanfarronice e a imodéstia é uma coisa fixe, até como figura de estilo. mas a minha maneira de ser tem a ver, sobretudo, com a educação provinciana que tive. vivi 20 anos numa cidade do interior [tondela], em que não era hábito as pessoas darem entrevistas a falar sobre si. quando comecei a falar sobre a minha música custava-me bastante. e ainda hoje tenho estes pruridos. não é uma humildade falsa, é uma modéstia com a qual fui educado. faz as coisas como tens de fazer, mas com a consciência de que não te podes basear naquilo que vales.