João Chaves: ‘Não quis sair de muletas’

Durante 29 anos foi a voz do mítico programa Oceano Pacífico, mas agora abandonou o microfone para se dedicar à família. Aos 58 anos, João Chaves guarda as muitas histórias que os ouvintes partilharam consigo, incluindo segredos pessoais que nunca contaram sequer à própria família.

no dia 17 fez a última emissão do oceano pacífico. custou-lhe muito despedir-se?

então não custou? foram quase 30 anos a fazer o que mais gosto. esta mudança foi opção minha, a rfm não queria, mas achei que chegou a altura para sair. tenho 58 anos e nunca tive vida própria. sou uma pessoa de família, gosto de estar em casa, e o programa roubava-me muito desse tempo. a culpa também foi minha porque coloquei sempre a profissão à frente da vida pessoal, mas a rádio sempre foi uma paixão. agora chegou o tempo de calçar as pantufas e acabar o programa em alta, para as pessoas se lembrarem de mim. não quis sair daqui de muletas.

estar à frente de um programa há 30 anos é quase como um casamento. também houve altos e baixos?

um casamento dá mais problemas… [risos] mas sim, claro que houve momentos mais motivadores do que outros. mas quando vou para a cabine, os problemas ficam sempre à porta. aquelas quatro horas são sagradas porque a cabine é um estúdio, um aquário, um oceanário, uma capela, um confessionário. às vezes é ali dentro que descubro soluções para muita coisa. se os ouvintes se sentem bem a ouvir um programa daquele tipo, de baladas, que transmite muita paz e alivia, também tem esse efeito, embora mais reduzido, para quem o faz.

qual é o segredo para a longevidade do programa?

não sei qual é o segredo, mas o programa resulta durante tanto tempo porque tem muito a ver comigo. sou uma pessoa calma, romântica, e o meu estilo enquadra perfeitamente no programa.

o programa continua com outro locutor. vai ouvir?

claro que vou. vou passar para o lado do ouvinte de um programa sobre o qual, ao longo destes anos todos, ouvi tantas histórias. agora também quero ter experiências e, um dia mais tarde, contar algumas coisas por que passei a ouvir o oceano pacífico.

que histórias guarda?

várias… as pessoas iam namorar a ouvir o oceano pacífico. como era um programa romântico, que puxava ao sentimento, aproximou muita gente. as pessoas telefonavam-me e escreviam-me cartas com as suas histórias pessoais, muitas delas que nem a família sabia. viam-me como um amigo, uma pessoa em quem podiam confiar. também tinha gente a pedir-me selecções de músicas para casamentos e nascimentos de crianças ao som do programa. tudo isso são coisas que enriqueceram o meu ego. ainda no domingo fartei-me de receber mensagens de pessoas a dizer que os pais os adormeciam ao som do programa e agora são eles que fazem o mesmo aos filhos. isso fica guardado cá dentro.

como começou na rádio?

depois de muita insistência e de muitas portas, ou melhor portões, a fecharem-se. na altura só havia a rádio renascença, a comercial e a rdp. vim à renascença, mas disseram-me logo que estava tudo preenchido. depois fui à comercial, fiz muitos testes, disseram-me que quando houvesse uma oportunidade chamavam-me, mas nunca ligaram. até que um dia estava em casa a ouvir um programa do zé ramos, de quem me tornei grande amigo, e houve um passatempo que consistia em dizer o nome das vozes que faziam um spot publicitário. peguei logo no telefone e acertei em todas. eles ficaram tão admirados que mandaram-me lá ir. fui, o zé ramos entrevistou-me em directo e eu, de microfone aberto, aproveitei logo para me promover e dizer que o meu sonho era ser locutor de rádio. ele ficou tão admirado com a minha convicção que me deixou ser assistente dele, sem receber nada, no círculo em fm, programa semanal que tinha na comercial. trabalhei como assistente durante um ano, depois comecei a gravar as efemérides, até que um dia o zé não apareceu e às cinco para as seis da tarde não estava ninguém na rádio para fazer o programa. eu já estava na cabine, o joão david nunes [director] ligou-me e perguntou se tinha capacidade para fazer o programa. era a oportunidade por que estava à espera e até hoje nunca mais me calei.

mas antes disso, como surgiu o desejo de querer fazer rádio?

nasceu comigo. quando era miúdo fazia programas em casa e os meus amigos até me chamavam o ‘fulano da rádio’ porque andava sempre a simular programas de rádio. era um dom. pelo menos sentia assim. fazia programas com um microfone e um gravador pequeno de cassetes. depois consegui ter dois gira-discos e uma mesa de mistura, até que montei um pequeno estúdio em casa, que foi a minha escola. aprendi tudo sozinho e quando chegou a altura de me atirar para a fogueira estava pronto para não me queimar.

alexandra.ho@sol.pt