olhando para a grécia e itália, os partidos que aplicaram os programas de ajustamento foram gravemente penalizados. o que é que isso nos ensina?
o povo é altamente impressionado pelo que sente na pele e por máquinas mediáticas que fazem das nossas sociedades mediocracias. mas a solução não pode ser ir às cegas de encontro a um sinal popular de não a mais austeridade. não se pode ir atrás do que é mais fácil e do que agrada mais ao povo – tem que ser em função de uma avaliação concreta daquilo que é necessário para o país, mesmo que tenha esse preço de perder as eleições.
o cds alerta que mesmo assim é importante mobilizar a população.
se me pergunta se há uma grande falha da máquina governativa na informação e esclarecimento popular, há. mas também não é fácil mobilizar o povo quando se diminuem subsídios e apoios e se aumentam impostos. mas há uma constante: as sondagens dizem que as pessoas reprovam as medidas de austeridade, mas quando se pergunta se querem eleições, mais de 60% diz que não. a maioria diz que o ps não é alternativa e diz não a rasgar o memorando com a troika. isto significa que o povo tem o discernimento de dizer que não gosta de aumento de impostos e medidas de austeridade mas que, no fundo, percebe que eles são necessários. e que quer estabilidade.
mas o mesmo povo promete uma manifestação grande para sábado contra a troika, à semelhança da de setembro.
não sei se vai ser igual, maior ou mais pequena, mas é importante que existam essas manifestações, porque é bom que o povo tenha formas de expressar o seu sentir e o seu estado de alma e que o faça de forma civicamente exemplar, como tem feito. isso revela que não temos uma sociedade amorfa e que os portugueses sabem usar o direito de manifestação com respeito pelas instituições.
as ‘grandoladas’ aos ministros também foram exemplares?
o ‘grândola’ é tão bonito que por muitas vezes que a oiçamos é sempre agradável. se cantarem durante quatro ou cinco minutos e depois deixarem prosseguir os eventos, não vejo mal. questão diferente são os insultos.
a manifestação de amanhã pode servir para pressionar a troika a flexibilizar as condições do plano de ajustamento português?
nenhum governo ou instância que tenha envolvimento na decisão do caso português pode ou deve ser indiferente às manifestações populares. o governo naturalmente também tem que tirar lições, procurando cada vez mais – o que paradoxalmente até é criticado pela oposição – mudar de posição e começar a associar medidas de estímulo e crescimento às de austeridade.
portugal tem que ser mais reivindicativo?
o governo tem sabido cumprir e só isso lhe dá credibilidade para ganhar um espaço de flexibilização das condições e de um quadro temporal. mas a nossa dívida pública é muito elevada, ao contrário de outros países. o empréstimo da troika é uma pequena parte da dívida global portuguesa. precisamos ganhar credibilidade nos mercados financeiros para obter empréstimos em condições mais favoráveis para responder ao problema da dívida.
ferro rodrigues diz ser inevitável o perdão da dívida.
cada coisa no seu tempo. como agora se comprova, era errado falar há algum tempo atrás na necessidade de mais tempo e de flexibilização de condições do empréstimo. teria sido um sinal terrível e teria tido um efeito contrário. portanto, não acho que seja bom falar-se no perdão de dívida. mas não respondo que essa hipótese, em absoluto, não deva ser ponderada. ela poderá partir dos próprios credores se eventualmente perceberem que há um quadro nacional e internacional que o exigem e que portugal fez o bastante para justificar essa actuação. se fosse o governo a colocar isso em cima da mesa seria desastroso, designadamente pela reacção dos mercados.
o líder do cds vai dar a cara pelo corte dos 4 mil milhões de euros. desta vez, o cds vai assumir o ónus?
isso revela bom-senso e uma iniciativa avisada por parte do pm, mas também vontade de partilha de responsabilidades por parte do dr. paulo portas. esse é o caminho certo em que a coligação se deve colocar. o cds percebeu que perderia mais, passando para a opinião pública uma ideia de fugir às responsabilidades do que de as assumir.
concorda com corte de 4 mil milhões nas áreas sociais?
o estado deve, nas áreas sociais, ganhar mais eficiência com menor custo. agora, cuidado com a ideia que isso vai significar menos estado social! não deve ser assim.
o estado não arrisca a desproteger os mais carenciados, que vão aumentando?
não deve ser assim. na área social não é aceitável prestar menos serviços para poupar dinheiro. as conquistas dos direitos sociais não podem ser postas em causa. deve-se colocar outra componente em cima da mesa: quem tem meios, tem que pagar com alguma proporcionalidade, para que quem não tenha rendimentos possa ter educação e saúde gratuitas.
e concorda com o aumento da idade de reforma, sugerido por eduardo catroga esta semana?
está a acontecer em todo o lado. mas este problema no actual contexto tem verso e reverso. as pessoas mantêm por mais tempo a capacidade de prestar trabalho, o que liberta a sociedade de pagar as reformas mais cedo, mas isto implica um tapar de lugares para a juventude. esse é o flagelo maior das nossa sociedade e deve ser prioridade para quem nos governa.
entrevista originalmente publicada na edição em papel do sol de 1 de março de 2013