sobre o despojamento de jorge mario bergoglio não há dúvidas. jesuíta, adoptou um estilo de vida franciscano. vestia-se como um simples sacerdote, viajava de metro ou autocarro em vez de ter à disposição um automóvel com motorista. vivia até agora num segundo andar de um modesto apartamento, no qual cozinhava, em vez de usufruir da opulência da residência oficial do arcebispo de buenos aires. não tinha secretário pessoal e viajava com regularidade para os confins da sua diocese de três milhões de fiéis para visitar os mais pobres.
«ele é irrepreensível. na sua vida privada é muito simples e austero. acorda todos os dias às 5h30, a rezar. as suas opções de vida enquanto cardeal foram continuar a fazer uma vida normal, comum», comentou guillermo marcó, seu antigo porta-voz, ao clarín.
mas há quem vá ao armário da ditadura militar e tire esqueletos. em 1995, o jesuíta francisco jalics escreveu um livro no qual acusou bergoglio de ter colaborado com os militares ao ponto de ter denuncidado jalics e outro colega, orlando yorio. ambos tinham ido viver para um bairro de lata de buenos aires. em 1976 foram detidos durante cinco meses. bergoglio desmentiu a acusação também num livro (o jesuíta): «quando disse que estive duas vezes com videla e duas com massera foi por causa do sequestro deles».
muitos anos mais tarde, em 2004, outra polémica: enquanto cardeal primaz da argentina, escreveu uma carta aberta em que classificava de «blasfema» a exposição de león ferrari, um dos maiores artistas plásticos daquele país. a exposição acabou vandalizada, após acções em tribunal, manifestações e ameaças de bomba. ferrari, hoje com 92 anos, crê que o novo papa vai ser «muito autoritário, de certeza». «é um horror, é um horror», declarou à folha de sãopaulo.
‘rival’ de bento xvi
segundo o relato de um cardeal presente no conclave anterior, em 2005, bergoglio foi o candidato derrotado por joseph ratzinger. mas não queria ser eleito e terá inclusive pedido aos seus pares para que tal não acontecesse. desta vez (ainda) não se sabe qual foi a sua reacção, mas decerto aceitou a eleição, ao que de seguida lhe foi perguntado «quo nomine vis vocari?» (por que nome quer ser chamado?). a resposta só poderá ter sido esta: «vocabor franciscus».
francisco, explicam os entendidos, será uma dupla homenagem: a são francisco de assis e a são francisco de xavier. a vida religiosa em pobreza por parte do primeiro e o sentido missionário do segundo (ao serviço de portugal) inspirarão o papa francisco. aliás, na sua juventude chegou a pedir para ir para o japão para seguir os passos do chamado apóstolo do oriente.
poucos anos antes, o jovem jorge tinha uma noiva e trabalhava num laboratório (no qual a chefe lhe dava a conhecer literatura comunista). um dia foi à igreja confessar-se e decidiu mudar de vida. pelo meio sofreu uma grave infecção pulmonar que pôs a sua vida em risco (ficou só com um pulmão). conta-se que foi nos momentos de maior sofrimento que uma freira lhe deu ânimo e conforto espiritual. entrou então para o seminário do bairro villa devoto (tendo estudado posteriormente no chile e na alemanha).
fã da bola
filho de um casal de emigrantes italianos, cresceu no popular bairro de flores. outro traço da sua personalidade é o já bem conhecido carinho pelo clube de futebol san lorenzo de almagro. é sócio da agremiação que foi fundada sob os auspícios de um padre salesiano. num país em que até se criou a ‘igreja maradoniana’ em honra do antigo futebolista, não é de espantar que um cardeal – acima de tudo um homem do povo – fosse adepto de futebol e frequentasse o estádio.
muito menos de espantar as palavras do próprio maradona: «o deus do futebol é argentino e agora o papa também é».